36.Última novela

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Era o dia que passaria o final da novela, minha última atuação, talvez definitiva. Naquele dia reuni familiares e amigos em casa para assistir comigo. Todos eles, inclusive meus fãs, sabiam que eu pararia de atuar para me dedicar aos estudos. O surpreendente era que os parentes não estavam me criticando, talvez porque eu havia declarado o desejo de fazer medicina. Eu sei que só respeitam o dinheiro nessa vida. Mas eu me perguntava se era aquele curso que eu queria... e às vezes se eu queria alguma coisa da vida.

Quando parava para descansar e tentar esquecer de todas essas cobranças, ouvia nas músicas dos artistas que admirava, que se eu não tinha dinheiro, eu não tinha nada para eles. Ouvia nas músicas de novelas e filmes, as marcas de roupas e de carros que apenas alguns poucos concentradores de renda conseguiu. O ego e a ostentação ainda são cantados com orgulho, e se não prestamos atenção na gente, nos sentimos um fracasso se não temos o mesmo.

Isso me lembrava do porque abandonar a mídia: Eu não queria ser responsável pelo que as pessoas viam e copiavam de mim. Eu não queria mais ser uma artista que levava as pessoas a pensar que dinheiro, consumismo, aparência e fama são mais importantes do que tudo. Dizem ao nosso redor o que são essenciais para nossa felicidade: tenha isso, faça desse jeito, não se esqueça que dinheiro e luxo são metas de vida. Mas o verdadeiro dinheiro é o tempo. Quando compramos algo, estamos comprando com o nosso tempo de vida.

Conheço tanto ser pobre ignorado quanto classe média com fama, sei que a estabilidade emocional/mental é mais importante que status e dinheiro, e que a auto estima e o desejo de fazer o bem e o melhor, são fundamentais para dar significado positivo para a vida. Sem um motivo que nos faça superar os problemas e as decepções e continuar acreditando no bem e na humanidade, a gente quer morrer. O dinheiro também pode perder o sentido.

Eu já estive numa posição solitária e já tive muitos fãs e conhecidos para me apoiar... Mas isso não faz muita diferença, pois não importa se você tem: nenhuma, uma ou um milhão de pessoas te apoiando, no final, é somente o seu apoio com você mesmo que importa.

Alguns colocam sua força de viver na ideia de um deus, por isso é muito difícil essa pessoa questionar isso, porque sua esperança de vida está nessa crença, sem ela não há mais necessidade de viver. Entretanto, minha esperança para continuar vivendo está em outra crença: em mim mesma. Não deixa de ser uma crença, mas eu preciso acreditar que posso melhorar como ser humano e compreender minha condição humana, senão a minha vida perde o sentido. Morango poderia estar viva se naquela época eu já pensasse na importância de ressignificar a vida.

Quando a novela terminou, percebi que fiz um bom trabalho. Todos me parabenizaram ao redor, meu telefone vibrava com muitas mensagens e pessoas me marcavam nas redes sociais. Vinícius estava lá com Milena, conversando com minha mãe orgulhosa de mim. Paty, minha psicóloga, me ligou para dizer que adorou a união da mocinha com a vilã e me disse que o autor confessou no Twitter que essa parte foi ideia minha. Eu estava em um momento bom, todos sabiam que eu iria parar de atuar por um tempo e parecia que tudo estava resolvido. Eu queria largar a atuação, fiz isso, queria um tempo para estudar, todos concordaram... mesmo assim algo estava errado e eu não sabia o que era.

Ou sabia e estava em negação. Chamei Julia ao lado e confidenciei para ela que eu estava em uma crise de ansiedade:

- Agora eu preciso realmente passar no final do terceiro ano. Imagine só a vergonha de largar o trabalho por dois anos para estudar e trocar de profissão, e fracassar no vestibular.

- Calma, aproveite o seu momento. Você nem está curtindo sua festa.

- Festa?

Para ser sincera, eu nem tinha percebido os enfeites que minha mãe colocou na casa, o aperitivos na mesa e o champanhe gelado que subitamente estourou e me assustou da imersão de ansiedade que eu estava dentro de mim. Eu não tinha percebido que aquilo não era apenas uma reunião, era uma festa e que todos estavam felizes por mim. Menos eu. Porque parece que nunca estamos satisfeitos? Eu estava com medo de fracassar. Eu me sentia cobrada com a aprovação das pessoas, como se eles estivessem confiando tanto em mim e na minha capacidade de ser médica, que me apoiaram sem questionamento e julgamento, o que é raro. Eu estava esperando pedras e recebi flores, mas por alguma razão, isso também doía.

Comecei a lembrar de algumas conversas com Vinícius sobre viver o presente, eu queria fazer isso. Viver também pode ser uma meditação no aqui e no agora, consciente de si e dos seus pensamentos. Eu havia me sentido tão forte e emponderada quando fui conversar com o diretor e o autor... não poderia voltar a ser a criança assustada que só queria se adaptar ao mundo. Eu estava me tornando uma mulher forte e consciente de si e precisava agir como tal. Peguei uma taça de champanhe, e num rompimento de um ciclo vicioso, propus um brinde:

- Que esse dia marque o fim de nossos personagens. Sem julgamento contra nós mesmos e com os outros! Gentileza e evolução!

- Amor!

- Saúde!

- Sexo! - Vinícius estava demorando para falar alguma piada. -Desculpa gente, achei que cada um de nós estávamos falando o que queria. Entendi errado.

Nunca fale sobre UnicórniosOnde histórias criam vida. Descubra agora