24.Cogumelos mágicos

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Pense em mim como uma garota corajosa e curiosa, antes de qualquer julgamento. Vista minha pele, abrace minha juventude como se fosse a sua e respire esse ar gelado e rápido da emoção de se experimentar algo pela primeira vez. As drogas sempre me fascinaram, desde criança quando recebia um comprimido que iria curar minha dor ou febre. Na infância não sabia que as balinhas, doces e refrigerantes também poderiam ser chamadas assim por trazer aquele prazer. Agora, um pouco mais lúcida, vejo que tudo que nos altera nos fascina, até o amor.

Deixe-me situá-lo na história: Eu tinha acabado de voltar da Disney e estava angustiada em fazer um novo papel na televisão. Percebi que não queria mais continuar fazendo aquilo, mas não sabia o que mais eu poderia fazer (a gente procura outros talentos e não acha). O futuro era uma névoa escura que me assustava. Além do mais, eu estava experimentando uma comprometedora saudade de Vinícius, uma que me levou até sua casa.

Quando ele me chamou, não imaginei que Vinicíus falava sério em estar dando uma festa, pequena reunião animada de amigos era mais adequado para sua personalidade, então a proporção da festa me surpreendeu. Foi divertido conhecer os amigos dele e fiquei automaticamente ligada com a Milena, uma das pessoas mais diferentes que eu já conheci e que se tornou, a partir daquela festa, uma grande amiga. 

No final da festa, restou apenas eu, Vinícius e Renata, que era uma amiga muito íntima dele, pelo que eu já tinha observado.

Eu me sentia uma "vela", Vinícius e Renata se entreolhavam com cumplicidade e contavam histórias loucas de quando fizeram oficina de circo e teatro juntos, ou de quando viajaram com a turma na adolescência. Eu ficava ouvindo com um ciúme difícil de disfarçar. Eu pensava em ir embora, mas duas coisas me impediam. Primeiro, eu não queria deixar os dois sozinhos e segundo, queria experimentar os cogumelos secos que Renata confidenciou possuir na bolsa. É claro que não sei dizer a porcentagem adequada de cada item, mas estimo que o primeiro motivo deveria estar em torno de 98%.

Eu não confiava em Renata, normalmente não usaria nada que um estranho ou estranha me oferecesse, mas Vinícius confiava nela e eu confiava em Vinícius. Ainda por cima, a garota era uma bióloga, abandonou o teatro e foi para a faculdade. Ela parecia legal, e agia como uma mulher bem resolvida de 23 anos, enquanto eu era uma garota de 16 anos intimidada e enciumada pelos olhares atentos de Vinícius para ela.

— O uso de cogumelos é milenar  — dizia Milena. — Várias culturas o usaram para rituais, como os povos da América do sul e Central. Esse que eu trouxe possui a substância alucinógena  Psilocibina , conhecida por ser uma das drogas mais seguras...

— Renata, eu vou ver elefante cor de rosa? Eu sempre quis fazer uma viagem bem louca assim, sabe, como nos desenhos animados. — Eu e minha inocência fizemos o casalzinho rir.

— Duvido que seja assim — Vinícius parecia conhecer do assunto. — Mas tem gente que tem sua percepção de cores alteradas.

— Você já usou antes? — Eu perguntei.

— Digamos que eu e Renata já tivemos uma viagem mística juntos.

— Mas foi a muito tempo atrás. — Os dois se olharam de forma sonsa.

— Então. Vamos fazer isso gente? —  falei, não aguentando mais ver Vinícius e Renata com aqueles olhares de quem se pegariam a qualquer momento.

— Você vai usar? Certeza? Você é muito jovem e me sinto responsável... — disseram eles, como se fossem milhares de anos mais velhos do que eu.

Eu sempre odiei ser tratada como criança, mesmo quando eu era uma. Aos 16 anos, ou até mesmo hoje em dia, não suporto que passem por cima da minha capacidade de discernir o que devo ou não fazer. Sou jovem? Sim. Inexperiente? Com certeza. Bobinha? Totalmente, mas isso não quer dizer nada, a vida é para ser vivida, não posso esperar a velhice para decidir as coisas, então vou errar hoje, agora, do jeito que eu bem entender.

— Vinícius, Renata, sou mais adulta do que dois de cada um de vocês. Agora me passem esse cogumelo.

Peguei o saquinho, que tinha uns 6 cogumelos secos e inteiros. Eram leves e quando coloquei um deles na boca, era crocante, mas o gosto ficava amargo conforme eu mastigava. Fiz uma careta tentando engolir. Renata e Vinícius também comeram, ficamos nos olhando, com cara de expectativa, principalmente eu.

A psilocibina não causa alucinações reais, ela distorce a percepção de objetos e estímulos no ambiente. Eu esperava uma reação nova e louca, mas tudo que senti com a passagem do tempo foi minhas emoções se tornarem mais evidentes. Meu ciúme se tornou difícil de disfarçar e tive que sair um pouco da sala para entender aquela vontade súbita de beijar Vinícius e de afastá-lo de Renata. Minha cabeça me dizia: ele é um amigo. Meu corpo contestava: ele é meu.

Quando voltei para a sala, os dois estavam próximos, com cochichos baixinhos demais para não serem safadeza. A intimidade deles me irritava e após 30 minutos do uso do cogumelo, poderia jurar que o efeito dele era apenas promover a revolta no meu coração. Percebi que eu gostava de Vinícius muito mais do que eu tinha consciência, naquele momento com minhas emoções intensificadas, ao invés de ter um despertar espiritual, estava tendo uma revelação amorosa.

Quando voltei para a sala, os dois estavam deitados lado a lado no tapete, voltados para a varanda, olhando o céu e ouvindo música. Minhas emoções mudavam o tempo todo, algumas vezes sentia raiva deles, outras só de Renata. Me lembro de rir alto e esconder o pensamento estranho de que Vinícius era feio demais para ser disputado por duas garotas bonitas, mas isso era apenas uma oscilação de humor provocado pelo alucinógeno, ou será que eu poderia sentir todas aquelas emoções misturadas normalmente?

Eles estavam curtindo, eu sentia muito frio e quis ir pra casa. Dizia que estava bem, apesar da pupila evidentemente dilatada e eu estar um pouco tonta.

Depois de um tempo minha mãe me buscou e tive que deixar Vinícius e Renata sozinhos. O tempo todo minha imaginação me provocava com simulações deles se pegando no tapete, uma imagem mental que estranhamente me era estimulante. Dentro dos meus pensamentos tudo podia acontecer, até a troca da protagonista daquela cena de amor. Fechei os olhos e imaginei eu e Vinícius ali no tapete, com meu corpo se arrepiando de desejo e vergonha pela minha fantasia.

Minha mãe notou que eu estava diferente, calada e contemplativa, mas imaginou que eu tivesse bebido e estava tentando esconder. Ela mesma imersa em seus próprios pensamentos, que as vezes vazam em monólogos sobre seu recente namoro. Ela me parecia muitas vezes como uma adolescente apaixonada por qualquer um que cruze seu caminho. Eu não queria ser como ela, mas sentia um grande amor por ela, principalmente que eu ainda estava sob efeito.

Disse a ela que a amava, e isso a surpreendeu. Depois ela brigou comigo, dizendo que eu tinha que parar de beber. Que entendia que eu fazia aquilo para não sentir forme e continuar magra, mas que eu tinha que parar. 

Cheguei em casa e fiquei viajando na cama por mais algumas horas, ouvindo música e olhando pela janela. Uma epifania me passou pela mente.

No outro dia, liguei para Vinícius no impulso de dizer que minha experiência com cogumelo foi voltado para ele. Estávamos destinados uma ou outro. Mas ele parecia disposto a falar a mesma, só que eu não fui a pessoa que mexeu com sua cabeça para que ele dissesse isso, foi Renata. Ele me falava dela com tanto afinco que me calei sentindo o gosto amargo da rejeição na boca, muito mais difícil de engolir do que o cogumelo. Esse gosto de perdê-lo permaneceu comigo por alguns dias, eles começaram a namorar e eu tive que decidir tirar aquele gosto de derrota com um beijo bem gostoso... de qualquer outra pessoa.

Nunca fale sobre UnicórniosOnde histórias criam vida. Descubra agora