Prólogo

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A luz branca dos trovões veio antes sequer do estrondo da corrente elétrica se chocando com o solo

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A luz branca dos trovões veio antes sequer do estrondo da corrente elétrica se chocando com o solo. Ela iluminou o quarto escuro pouco antes de o som apavorante de sua queda fazer a terra tremer, mas não somente a ela, quanto também os ossos da garota que, fazia pouco tempo, dormia inquieta entre os lençóis bagunçados da cama.

O barulho repentino a despertou, a tempo de ela observar seu dormitório salpicado de claridade voltar à escuridão. Apesar da brevidade fascinante daquele evento da natureza, ela sabia que o medo que sentia não se dissolveria tão facilmente quanto aquela luz. Uma sensação enregelada corria por suas veias, acelerando seus batimentos cardíacos e arrepiando sua espinha. Com os músculos rígidos de tensão, respirou fundo na tentativa de se acalmar; e, após várias tentativas, finalmente foi capaz de cerrar os punhos e levá-los aos olhos, coçando-os com força para espantar o sono.

Tomando coragem, espiou sorrateiramente por entre as cortinas do dossel da cama na direção da janela, querendo ter certeza de que sua mente não lhe pregava nenhuma peça. Vislumbrou o vento raivoso trilhando seu caminho dentre os ramos das árvores do lado de fora. Um assobio longo e profundo perfurava o ar, em harmonia com o som da madeira dos galhos se retorcendo de um lado a outro. Mesmo estando sob o calor das cobertas, sentia o suor se espalhando pelas palmas cerradas e um tremor que tomava conta de seu corpo. A única coisa em que pensava era no cenário lá de fora, tão parecido aos tantos outros vistos em seus sonhos, com a diferença de que seu despertar não seria um alívio, mas um choque para a realidade.

Lembrou-se de cada momento em que acordara daqueles terríveis pesadelos, com o coração na boca e culpa na consciência por, mais uma vez, ter falhado na tentativa de desvendar aquele mistério. Quantas vezes dissera a si mesma para deixar as perguntas de lado, para seguir em frente sem temor e somente aceitar o que havia sido destinado a ela pelos deuses, mas não. Ela insistira em buscar alternativas, convencendo-se de que, caso encontrasse uma solução mais lógica, menos brutal, todos a ouviriam; que chegariam a lhe agradecer. Que ingenuidade! Só o que toda a busca lhe custou foi consternação pelo fim inevitável. E, além do mais, nem ela, nem ninguém, seria capaz de remediar o que estava prestes a acontecer.

Fechou os olhos e afundou os ombros na cama, tentando ignorar a presença constante dos trovões e da ventania. Seu quarto permanecia escuro, sombras dançando conforme os raios de luz passavam pelas vidraças. Ainda assim, com o canto do olho, ela era capaz de distinguir, logo acima do cabriolé feito de couro aos pés da cama, as últimas vestes que usara, encardidas devido aos três dias de jejum e meditação passados no bosque de carvalhos.

Percebeu com surpresa que, não fosse a prova inanimada bem ali, ao alcance das mãos, não acreditaria que aquele recinto lhe pertencia. A organização era neutra e impessoal, e nada se parecia com ela. Até aquele curto instante em que ficou encarando as suas antigas vestes cerimoniais, não soube explicar por que perdera tanto tempo arrumando um local que não frequentaria mais, ou limpando objetos que não seriam mais seus. Presumiu que fosse o hábito.

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