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Por mais que ele olhasse para Calendra com o queixo erguido, tentando bravamente não demonstrar nenhuma emoção, ela podia perceber o medo que emanava dele

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Por mais que ele olhasse para Calendra com o queixo erguido, tentando bravamente não demonstrar nenhuma emoção, ela podia perceber o medo que emanava dele. Estava presente na exalação de seus poros, no tremor de sua pele, em suas mãos, que agarravam o tecido da roupa, e nos lábios entreabertos. Seus olhos esbugalhados volta e meia espreitavam por cima dos ombros de Calendra, parecendo procurar algo escondido entre as sombras.

De repente muito ciente dos arredores, Calendra desviou a atenção do menino e encarou a escuridão. Não precisou esperar muito tempo antes que um uivo longo e profundo rasgasse a noite. O som era grave, diferente de qualquer coisa que tivesse ouvido na vida. A criatura que o soltara parecia cheia de fome e desesperada por sanar sua necessidade por alimento, tão assustadora que os pelos da nuca de Calendra se arrepiaram, enviando golpes gelados ao longo da espinha.

— O que... o que foi isso? — Sussurrou ela. O olhar do menino encontrou o seu, e por um momento ambos viram o próprio pavor refletido nos olhos um do outro.

— São eles.

— Eles quem? De quem você está falando?

Em vez de lhe dar uma explicação, o garoto apenas balançou a cabeça e indicou que se levantassem. Calendra sentia as pernas dormentes e um peso no estômago; porém, a aproximação dos ganidos e dos uivos fez com que agisse mais depressa. Ela agarrou as mãos que ele lhe oferecia e, ainda que muito assustados, os dois desataram a correr pela rua à procura de um lugar em que pudessem se abrigar. Sentia o coração pulsando seu sangue pelos ouvidos cada vez mais rápido conforme nada encontravam. Todas as casas pareciam ter sido consumidas pelas chamas e ardiam em destroços. Calendra teve a impressão de vislumbrar uma sombra disforme passando por perto, e não pôde conter o grito que lhe escapou da boca.

O menino a encarou com uma expressão como de quem suplica.

— Tente não chamar atenção, eles ouvem muito bem a distância. — Ele disse. — Eu vi um lugar onde podemos nos esconder.

Assentindo com nervosismo, Calendra o seguiu até entrarem em uma casa ao final da rua. A construção estava abandonada e tão atingida quanto as demais, com a diferença de que, no porão, havia um alçapão escondido embaixo de alguns galões de água. A entrada era estreita e escura, e parecia ser uma passagem para o subsolo. Os dois desceram as escadas cegamente por conta da falta de luz, e Calendra ficou com medo de se perder dentro daquele túnel abafado, mas se tranquilizou ao perceber que o menino parecia saber o caminho. Correram por um tempo até atingir uma bifurcação e ele, sem hesitar, virou à esquerda. Ela simplesmente o encarou.

— Como você sabe que direção tomar? Não tem medo de se perder no escuro? — Sussurrou, pensando ver a sombra de um sorriso em seu rosto.

— Você está olhando para a pessoa que construiu estes túneis. Eu jamais me perderia dentro deles.

Irremediavelmente impressionada com tal declaração, Calendra nada pôde fazer além de assentir e seguir adiante, sendo guiada pelos passos apressados do menino, mesmo que seus pés não fizessem barulho ao contatar o solo. Ela, por sua vez, ainda que evitando os ecos da corrida e os ruídos da respiração, não era capaz de permanecer em silêncio. Felizmente, não foram seguidos pelas criaturas.

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