O tempo pareceu desacelerar, comprimindo-a dentro dele. Calendra teve de se esforçar para se lembrar de como respirar e, quando finalmente o fez, os pulmões teimaram em obedecer aos comandos do cérebro. Era como se o universo tivesse parado bem naquele instante, que se desprendeu de sua imensidão e, tal qual uma bolha de sabão, passasse a perambular por entre os mundos.Na mente semiconsciente de Calendra, aquela comparação a levou a imaginar que ela própria não passava de uma bolha a sobrevoar o mundo, flutuando ligeira em uma existência fugaz e dependente da menor ação do vento. Pensando nisso, sentiu que o peso de seu corpo passou a ficar mais leve. Seu estômago deu uma leve contorcida, e os cabelos de sua nuca se eriçaram. Havia uma expectativa gritante de que sairia voando dali a qualquer momento, tanto que seus pés pareceram zunir de expectativa, mas é claro que nada daquilo aconteceu. Ainda que a mente lhe enganasse, os fatos continuaram a se desenrolar diante dela, só que sem que os percebesse.
Cada gesto e palavra dita enquanto os seus pensamentos circulavam por localidades particulares se suspendeu, como se presos no ar por uma densa bruma que parecia afogá-los. Ela sequer ouviu quando Marion iniciou uma conversa com ambos os sobrinhos, dizendo-lhes os nomes dos visitantes, nem quando a tia finalmente pareceu notar o que lhe acontecia e suas sobrancelhas se franziram de preocupação. Calendra tinha olhos apenas para o menino, retida no choque de sua aparição. Nada mais do que fizessem ao seu redor poderia desviar a sua atenção dele.
Teve a impressão de que alguns parcos instantes tinham se passado quando sentiu que alguém lhe sacolejava o ombro. Com um sobressalto, ela piscou os olhos e percebeu que a imagem do menino, até então congelada em suas retinas, era apenas uma miragem. Calendra estava postada sozinha na entrada de sua casa, e Rohden encontrava-se bem ao seu lado, com um olhar confuso.
— Calendra, você está se sentindo bem? — Questionou-a, chegando perto dela para lhe sussurrar no ouvido. Calendra teve de espantar o torpor para encarar a realidade, com a feição pálida. Notou que, além de estarem a sós, a família de estrangeiros havia sido conduzida para dentro da casa e se encontrava reunida na cozinha, parecendo todos muito envolvidos pela conversa de tia Marion.
— O que aconteceu? — Murmurou, a voz quebradiça. Ainda se sentia um pouco desorientada.
Rohden, que parecia mais preocupado do que nunca, segurou-a pelos braços e a sacudiu mais forte, como se quisesse despertá-la. Calendra estava tão absorta que mal sentiu seus toques. Apenas quando o contato virou um puxão firme e brusco que ela voltou a si, sendo guiada pelas mãos dele até que seu olhar se desviasse do vazio e se focasse em seu rosto.
Os olhos dele, cor de folha e tão intensos quanto os de tia Marion, eram como um par de joias preciosas, e a encaravam com evidente aflição.
— Tia Marion achou que você estava sendo indelicada com os estrangeiros. Eu pedi a ela que levasse a família para almoçar enquanto eu conversava com você, mas sei que não foi isso que aconteceu. Você estava bem até antes de eles chegarem, até os estrangeiros atravessarem aquela porta. O que houve, Calendra?
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Ocultos
Fantasy[ELEITA A MELHORES HISTÓRIAS DE 2021] [LIVRO 1] O pacato vilarejo de Vaugalath é o lar de muitos segredos misteriosos, guardados com afinco para impedir que um grande mal ressurja das sombras e cause a destruição definitiva dos povos keltae, que vin...