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Berros desesperados começaram a ecoar a partir da escuridão

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Berros desesperados começaram a ecoar a partir da escuridão.

Tomada pela surpresa, Calendra moveu a cabeça na direção dos sons, mas nenhum deles parecia vir de algum lugar específico e, sim, vibrar em sua mente. Estava cercada por eles, que retumbavam lúgubres e impiedosos. Sem pausa.

Havia algo de agonizante no sentido da audição. Não era como a visão, que se podia cobrir com as pálpebras, ou o olfato, que se podia impedir tapando o nariz. Por mais que se quisesse parar de ouvir alguma coisa, aquela coisa em específico, por pior que fosse, seguia martelando de modo torturante nos tímpanos. Calendra, portanto, não teve escolha a não ser permanecer lá, sendo engolfada pelo terror dos gritos.

Mas algo mais aconteceu a seguir.

A penumbra pareceu virar uma substância palpável. Seus membros deslizaram por ela, um verdadeiro contraste de leveza em comparação às brasas que queimavam suas retinas. Imagens passavam por ela como o reflexo do caos de terríveis sofrimentos: via silhuetas indistintas de corpos correndo desembestados, sofrendo golpes de objetos estranhos que desabavam sobre tudo e sobre todos; espectros de medo e desolação fluindo a partir do grito de bocas escancaradas de pessoas estranhas; o pranto das crianças, a lamentação dos velhos, a agonia inconformada dos jovens. Calendra testemunhava tudo, mas não tocava em nada. Estava isolada, apartada daquele mundo por uma estilha tremeluzente de universo que segurava o seu corpo, vibrando em conjunto do rumor da mais pura e profunda destruição.

Por muito tempo permaneceu ali, com um olhar aflito, apenas observando impotente enquanto as cenas se desenrolavam diante dela, na esperança de que pudesse se libertar da sombra e correr ao socorro daquela gente, mas nada se sucedeu. Temeu permanecer flutuando naquela imensidão para sempre, aprisionada entre seu mundo e algum outro desconhecido, optando por agir antes que fosse tarde demais.

Cerrou os punhos firmemente ao lado do tronco e tratou de reunir toda energia que lhe restava. Respirando fundo, fechou os olhos e permitiu, pela segunda vez, que a sombra lhe invadisse os pulmões, afogando-a. Parecia que estavam fundidas uma à outra, imersas em uma única consciência. Calendra percebeu então, não sem surpresa, que ela não era tão resistente quanto aparentava, mas dúctil e maleável, passando a assumir as formas que sua mente comandava. Ao transpassar o medo e a ira, alimentando desejos de liberdade, sentiu a escuridão lentamente recuar. Uma vibração tomou seu corpo, e logo ela era um ser tomado de luminosidade. Ao som do silêncio da plenitude daquele poder estranho, desaparecia por completo.

Piscando para espantar o desconforto, Calendra observou abismada enquanto filetes de poeira dançavam pelo ar, tocados pela luz pálida do dia. Uma vez podendo enxergar, percebeu que estava em pé no meio de uma escadaria curva. Ao redor, paredes de barro avermelhado se erguiam. Não havia som de explosões, mas alguns gritos esparsos ainda se faziam ouvir ao longe. Olhou em volta à procura de uma janela, mas não encontrou nada além de rachaduras nas paredes. A mudança súbita a encheu de confusão, uma parte dela temendo ser recapturada pela sombra; por isso, decidiu avançar antes que ficasse presa mais uma vez.

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