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Naquela mesma noite, Calendra não conseguia adormecer

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Naquela mesma noite, Calendra não conseguia adormecer.

Depois de retornar para casa, fechara-se em seu quarto sem abrir a porta para ninguém. Rohden batera levemente para contar que o jantar estava servido, mas Calendra não descera, apesar de ter dito que iria. Ouvira os sons de conversa e risadas, inclusive um barulhinho suave no corredor como o de pés correndo, para, logo em seguida, a voz de Faris sussurrar: Halim! — mais uma porção de palavras em burksalão que não conseguira compreender. Tivera de rir.

A verdade é que se sentia tão entorpecida pelos acontecimentos recentes que sequer tinha vontade de interagir com todos. Não queria ter de forçar sorrisos quando sabia do alcance da realidade. Sua cabeça era uma confusão que mesclava preocupações e perguntas sem resposta, tanto anteriores quanto posteriores àquela noite. Permanecera estirada sobre sua cama, encarando o teto, tal qual na véspera, impossibilitada de pegar no sono. Nem mesmo a presença de Ishtar fora capaz de tranquilizá-la, pois, de certo modo, também era o motivo de sua preocupação.

Por fim, cansada de se revirar nos lençóis, levantou-se de um pulo e seguiu para a sala vazia e escura. Todos haviam se recolhido para dormir; porém, deixaram as réstias das brasas ainda ardendo na lareira. Ela rapidamente buscou um pouco de sopa na cozinha e se sentou sobre o tapete, de frente para o fogo, usando a mão ferida a fim de alimentá-lo com lascas de lenha.

Calendra estava imersa em seus pensamentos, mas, quando o fogo começou a rugir e as chamas alaranjadas iniciaram sua dança farfalhante, seus olhos foram de imediato atraídos na sua direção, ao mesmo tempo se sentindo apavorada e fascinada por elas. Intrigava-a pensar quão abastado era o seu poder, capaz de fazê-la romper as barreiras do tempo a fim de ver o que ocorrera no passado. Se os seus olhos não tivessem observado aquela cena, se o seu corpo não tivesse sentido as mesmas emoções daquela gente, talvez não acreditasse.

Namath constantemente a alertara sobre a magia oculta na natureza, mas Calendra tinha de confessar que desdenhara, até então, do alcance e da magnitude daquela força. Talvez por saber que ninguém tinha habilidades sequer comparáveis às suas, não pensara na hipótese de que a natureza poderia usá-la a fim de manifestar um poder tão maravilhoso e, por isso mesmo, também tão terrível.

Cerrou as pálpebras e, por um momento, reviveu a sensação da fumaça em suas narinas, do calor do fogo, da terra ressecada sob as solas dos pés, do pavor que a tomara quando avistara aquela sombra. De quem era aquela memória? Sua? Seria mesmo possível ter avançado tanto no próprio passado a ponto de atingir uma vida pregressa, voltando a entrar em contato com imagens tão vívidas? Aliás, o que aquilo poderia influenciar na sua existência como Calendra?

Muito tempo se passou sem que encontrasse uma resposta a suas perguntas. A madeira dentro da lareira estava se desfazendo em cinzas quando notou uma sombra se aproximando.

— O que você está fazendo acordada até esta hora? — Rohden sussurrou, vindo por trás dela para se sentar ao seu lado. Calendra estivera tão distraída que nem o ouvira chegar.

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