O dia começou como qualquer outro, mas havia uma inquietação dentro de mim que eu não conseguia ignorar. Cada movimento, cada palavra que eu proferia parecia ser absorvido por uma espécie de apatia, uma sombra que pairava sobre o que deveria ser apenas uma manhã comum. No entanto, em algum lugar, bem fundo, eu sabia que aquele seria um dia diferente, que algo — ou tudo — mudaria.
Desci até a cozinha e, mecanicamente, abri a geladeira. Restava o Frangace que eu havia feito na noite anterior. Peguei uma porção e a coloquei no micro-ondas, enquanto minha mente vagava pelos últimos acontecimentos. Chloe entrou na cozinha pouco depois, com um brilho nos olhos que imediatamente captou minha atenção.
— Bom dia, flor do dia! — Ela disse com um sorriso que era contagiante.
— Bom dia, Chloe. Está tão animada assim logo cedo? — Perguntei, tentando disfarçar o peso que eu sentia no peito.
— Sim! Muito animada! — Ela se acomodou à mesa, me observando com uma expectativa quase infantil.
— E posso saber o motivo de tanta euforia? — Eu a incitei, deixando de lado por um instante o desconforto que eu carregava.
— Claro! Mas primeiro, o que você está esquentando aí?
— Frangace de ontem à noite. Quer um pouco?
— E por acaso macaco recusa banana? — Ela riu, e naquele momento, a simplicidade de seu bom humor trouxe um alívio passageiro ao meu coração.
Ela me contou sobre Trevor, sobre como ele finalmente havia tomado coragem e a pedido em namoro. Eu a parabenizei de coração, embora meus pensamentos não pudessem deixar de se desviar para Scott e para o que eu deveria fazer com o nosso relacionamento.
Quando finalmente saí de casa, Scott já me esperava no carro. Sua presença sempre era reconfortante, mas, naquele dia, algo em mim resistia à segurança que ele proporcionava. O beijo que ele me deu ao me cumprimentar foi doce, mas eu não consegui corresponder com a mesma ternura.
— Bom dia, meu amor. — Ele disse, com aquela tranquilidade típica que sempre parecia me fazer questionar meus próprios sentimentos.
— Bom dia. — Respondi, tentando sorrir, mas o peso da minha indecisão me impedia de ser genuína.
Entramos no carro, e o silêncio entre nós foi tão denso que quase parecia palpável. Scott, perceptivo como sempre, percebeu a tensão que pairava no ar. Tirou a mão do volante e a colocou no meu rosto, um gesto carinhoso, mas que apenas aumentou a culpa que crescia dentro de mim.
— A noite eu passo aqui para te buscar, tudo bem? — Ele perguntou, a preocupação evidente em seus olhos.
— Não precisa, Scott. Eu posso voltar de táxi. — Minha resposta saiu hesitante, quase um sussurro.
— Preferiria voltar com um estranho em vez de comigo, seu namorado? — Ele perguntou, sua voz tingida de mágoa.
— Não é isso, Scott. — Suspirei, tentando encontrar as palavras certas. — Eu só não quero que pense que tem a obrigação de me cuidar só porque estamos juntos.
Seus olhos, antes cheios de afeto, agora refletiam uma tristeza contida. Scott era um homem honrado, sempre tão dedicado a mim e a Valentina. E, no entanto, mesmo com toda sua dedicação, algo dentro de mim não correspondia da mesma forma. Saí do carro sem dizer mais nada, sabendo que havia plantado uma semente de dúvida entre nós.
Na mansão, o dia seguiu seu curso com as meninas conversando ao redor de Mayla, que acariciava a barriga já proeminente, onde Sophia crescia em silêncio. Elas me viram entrar, e, imediatamente, os olhares curiosos e preocupados se voltaram para mim.
— O que houve, Manu? — Perguntou Sandy, sempre a primeira a notar quando algo não ia bem.
— Nada de importante, só um mal-entendido com o Scott. — Respondi, tentando disfarçar, mas não consegui conter o leve tremor em minha voz.
No fundo, eu sabia que não era apenas um mal-entendido. Era algo muito mais profundo, uma colisão iminente entre o que eu sentia e o que achava que deveria sentir.
As horas se arrastaram até o final da tarde, quando, subitamente, a curiosidade me consumiu ao passar por uma porta semiaberta. O quarto de Safira. Aquele espaço era praticamente sagrado para a família Drummond, um relicário intocado pela passagem do tempo. Entrar ali era expressamente proibido, mas, naquele momento, eu não consegui resistir.
O que encontrei ao cruzar o limiar da porta foi uma ode ao passado, como se Safira ainda estivesse viva em cada objeto, cada fotografia. As paredes estavam repletas de memórias, e o quarto, meticulosamente arrumado, emanava uma presença quase palpável.
— O que está fazendo aqui? — A voz cortante de Ethan me fez congelar.
Seu olhar gélido e a frieza em sua voz eram um contraste cruel com a forma como ele costumava me tratar. Eu havia ultrapassado uma linha, e sabia disso.
— Eu... eu não queria... — Comecei a falar, mas as palavras desapareceram. Eu sabia que tinha feito algo errado.
— Saia. Agora. — Sua voz era baixa, mas carregada de uma intensidade que me fez tremer.
Corri para fora, sentindo as lágrimas começarem a se acumular nos meus olhos. Não podia mais permanecer naquela casa. Tudo parecia desmoronar ao meu redor.
— Manu! — Ouvi Ethan chamar, sua voz agora mais suave, mas ainda carregada de urgência.
— Me deixa, Ethan. — Respondi, sem coragem de olhar para trás.
— Me perdoe, eu fui duro demais. Não queria te tratar daquele jeito. — Ele me segurou pelo braço, seus olhos agora cheios de arrependimento.
— Você não queria, mas foi. — Respondi, lutando para conter as lágrimas que ameaçavam escapar.
— Não vá embora, por favor. — Ele insistiu, seus dedos apertando levemente o meu braço, como se tivesse medo de me deixar partir.
— Ethan, isso não está certo. — Murmurei, virando o rosto para esconder minha dor. — Eu preciso sair da sua vida.
— Não percebe? Eu te trato assim porque... porque eu te amo. — Ele disse, e a sinceridade em sua voz fez meu coração parar por um instante.
— Que forma estranha de demonstrar amor. — Tentei rir, mas minha voz falhou.
— Estou com medo, Manu. — Ele continuou, agora segurando meu rosto com delicadeza. — Medo de me entregar a você e acabar perdendo tudo, como perdi Safira.
— Você nunca vai ser feliz se continuar vivendo no passado, Ethan. — Respondi, com uma calma que eu não sentia. — O amor exige riscos, exige entrega. Você precisa deixar alguém preencher esse vazio que você carrega.
As palavras saíam com firmeza, mas, dentro de mim, a confusão era total. Eu sabia o que sentia por Ethan, mas também sabia que não podia machucar Scott dessa maneira. Ainda assim, quando Ethan me puxou para um beijo, eu não resisti. O que começou como um choque de emoções logo se transformou em um beijo profundo, carregado de tudo o que havíamos reprimido por tanto tempo.
A sensação dos lábios de Ethan nos meus era avassaladora, e por um breve momento, me permiti esquecer o mundo ao redor. Mas então, a imagem de Scott me invadiu a mente, e, com um esforço quase sobre-humano, me afastei.
— Pare, por favor. — Pedi, minha voz trêmula. — Eu não posso fazer isso.
Ethan me olhou, seus olhos cheios de dor, mas também de compreensão. Ele sabia, tanto quanto eu, que não podíamos continuar assim. E, mesmo com o coração partido, eu sabia que aquela decisão era inevitável.
Eu precisava escolher. E aquela escolha me destruía.
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Você É Tudo Que Eu Tenho! - Concluído.
RomanceEmanuelle Miller, uma jovem resiliente, enfrenta os desafios implacáveis da vida enquanto luta incansavelmente para sustentar sua pequena filha de cinco anos. Em meio à turbulência de uma realidade cada vez mais opressiva, sua esperança vacila, até...