Jade narrando:Eu estava sentada no canto da poltrona, sozinha, com o celular entre minhas mãos que, agora suavam frio, refletindo todo meu nervosismo.
Na TV, o noticiário sobre o navio atacado por rebeldes passava em quase todos os canais praticamente, e mesmo o volume dela estando bem baixo, eu ficava atenta, sempre escutando e vendo todas as novas informações que os repórteres nos davam.
"Até o momento, são cerca de 17 marinheiros mortos nessa tragédia, sendo o número de feridos ainda desconhecido. Estamos tentando ter acesso à alguem lá dentro mas o capitão Ferrer, responsável pela embarcação e as tropas do navio, proibiu o acesso de qualquer pessoa que não seja militar..."
- Isso é um absurdo! - falei pra mim mesma, sentindo-me angustiada ao ponto de não mais conseguir continuar ali sentada. Então me levantei e caminhei até a sacada do nosso apartamento. Precisava tomar um ar fresco, porque ali dentro tudo estava me deixando sufocada.
Cada cantinho que eu olhava no apartamento me lembrava dela, cada detalhe da decoração simples e aconchegante que fizemos juntas assim que nos mudamos pra cá, a pouco mais de um ano, quando nos casamos, fazia meu coração doer pensando nos momentos felizes que compartilhamos juntas aqui.
Leigh-Anne é tudo pra mim.
Meu porto seguro, meu chão, a mulher que eu fiz votos de amar pro resto de minha vida.
E é por isso que eu não aprovo tanto essa vida de sargenta da marinha que ela leva. Sempre achei muito perigoso, inconstante e exaustivo pra ela, que mal tinha tempo de vir pra casa, vivia dia e noite naquele navio e raramente vinha me ver aos finais de semana. O único motivo pelo qual brigávamos na verdade.
E ela sabe disso, mas nunca deu ouvidos pro que eu falo, seu amor por servir à marinha parecia cegar ela completamente. Isso desde que eu a conheci, há mais de três anos atrás.
[Flashback on]
- Ei, você não dança não? - Perguntei após algumas doses de vodka, só pra tomar coragem de chegar encima daquela negra linda que não parava de olhar pra mim de longe, com sua postura séria e incrivelmente sedutora que eu imaginava ser de uma policial militar.
Já havia a visto algumas vezes antes naquele bar, mas nunca tive a coragem e a loucura de fazer o que estava fazendo agora.
- O quê? - Ela perguntou alto em meu ouvido, devido ao barulho do som no bar.
- Vem dançar comigo. - Falei sorrindo pra ela e comecei a puxa-la daquela parede que ela tava encostada com seus amigos, ela resistiu no inicio mas depois, lá estávamos nós duas no meio do bar dançando.
Era noite de sábado e o lugar estava um pouco lotado sim, mas isso não nos impediu de ficar grudadas uma na outra por boa parte da noite. Pude conhece-la melhor, e ela a mim também, o que mais me encantou foi descobrir que por baixo de toda aquela pose de mulher séria que ela tinha, não passava de uma garota sonhadora, brincalhona, e muito divertida.
Descobri que ela não era policial e sim, marinheira. E que também, pra minha felicidade, ela estava solteira.
- Eu preciso ir agora. - Ela falou em meu ouvido, depois de dançar uma música lenta comigo. Aquela altura da noite eu me perguntava quando ela iria me beijar logo, já que nossos olhares uma pra outra estavam cada vez mais intensos.
- O quê? Mas por quê? Ta cedo ainda. - Falei sem conseguir esconder o quanto estava desapontada com suas palavras.
Ela sorriu fraco olhando pra mim, seu sorriso era a coisa mais linda, eu ainda tava perdida nele quando ela voltou a falar:
- Amanhã preciso acordar cedo e voltar pra minha base na marinha, sinto muito Jade. - Ela explicou e eu fiquei triste, bem triste mesmo. Mas concordei, não havia nada que eu pudesse fazer. Durante nossas conversas ao longo da noite, eu percebia os olhos dela brilhando ao falar de sua vida como cabo da marinha, ela era apaixonada por aquilo.
Leigh pediu meu número de telefone e eu dei, depois ela se despediu de mim com um beijo bem no cantinho da minha boca. Olhei pra ela e sorri, então ela sorriu pra mim também e foi embora com seu grupo de amigos que agora sabia que serviam na marinha também, assim como ela.
Depois dali eu fui encontrar alguns amigos e dizer que iria pra casa, não iria conseguir curtir a noite com mais ninguém depois dela. Talvez eu estivesse ligeiramente apaixonada por aquela marinheira tão cativante, diferente de todas as mulheres que eu já havia me envolvido antes.
[Flashback off]
O céu lá fora estava escuro, o tempo nublado e frio. Mas a dor dentro de mim me impedia de entrar pra dentro, senti as lágrimas rolarem pelos meus olhos, e só queria que aquele pesadelo acabasse logo, só queria ter minha esposa em meus braços novamente.
"Ding-dong"
Ouvi a campainha tocando e tive que me recompor rapidamente, limpando meu rosto enquanto corria para abrir a porta. Já estava esperando por aquelas visitas.
- Meu amor. - Mamãe exclamou assim que abri a porta e corri pra seus braços, a abraçando o mais forte que eu conseguia.
Vi também minha melhor amiga, Danielle atrás de minha mãe e depois a abracei também, já sem conseguir conter minhas lágrimas.
Depois de um longo tempo as abraçando, elas me levaram para dentro e me sentaram no sofá. Mamãe sentou-se também me abraçando de lado enquanto a Dani ia pra cozinha pegar uma água pra mim.
A minha família sempre apoiou meu relacionamento com a Leigh, sempre aceitaram minha orientação sexual e minha mãe foi a primeira pessoa me dar total segurança de não ter medo de ser quem eu era, de amar quem eu queria amar. Por isso tínhamos essa ligação tão forte, que ia além da relação de mãe e filha.
Mas com a família da minha esposa as coisas eram bem diferentes, eles eram muito conservadores, preconceituosos. Seus pais nunca aceitaram que ela trabalhasse num lugar que só tinham homens em sua maioria, nunca aceitaram que ela seguisse seus sonhos de se tornar uma grande marinheira, e principalmente nunca ME aceitaram como companheira dela.
Tanto é que mesmo depois de saberem dessa tragédia, sequer se importaram em ligar pra mim e ter alguma noticia dela.
Às vezes me pergunto se realmente estou fazendo a coisa certa... Separando os pais de uma filha, causando tanto ódio e desamor dentro de uma família. Me sinto mal pela minha esposa, me sinto mal por me sentir a maior culpada disso tudo também.