19 | Conte-me como nos conhecemos

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Usar muletas era ruim, mas valia o sacrifício. Eu faria qualquer coisa, inclusive tomar aos remédios da lista interminável que minha irmã me deu, para que pudesse ficar em casa. Hospitais me deixam desconfortáveis demais.

— Sabe que terá que terá que ficar em repouso, não sabe? — perguntou-me ela assim que me deitei na cama. Meu corpo doía muito, mas reprimi a dor muito bem. — Evitar se mexer, andar pela casa... essas coisas.

Fiz que sim devagar.

— Cadê Justin? — indaguei, observado que teria que fazer um esforço a mais para falar.

Veronica pegou seu aparelho e conferiu as horas.

— Deve estar voltando da Academia — respondeu, olhando para mim em seguida. — Ele a frequenta. A nossa Academia.

Ah...

— Entendi.

Apertei meus olhos rapidamente e suspirei. Não sabia mais o que dizer.

— Você quer alguma coisa? — perguntou Veronica. — Está com sede?

Neguei com a cabeça, derrotado.

— Eu só quero que minha memória volte logo — sussurrei, a voz encontrando a calmaria de uma forma que me fez pensar que estivesse numa praia com minha irmã apreciando o pôr do sol. Como se tivesse distante demais do presente.

Ela tocou meu braço e sorriu, os olhos verdes generosos.

— Justin vai ajudá-lo com isso, não se preocupe.

Não falei nada: optei apenas por olhar para seu rosto.

— Talvez você não se lembre, mas... Foi graças a Justin que você saiu do armário. Oficialmente.

Arqueei as sobrancelhas.

— Você suspeitava ser bissexual — continuou, a voz um pouco mais animada. — E acabou tendo certeza de sua orientação sexual quando começou a conhecê-lo melhor. Você era do tipo de pessoa que faria tudo para conseguir a felicidade ao lado de Justin, não importava o quão longe precisasse ir. Limites nunca foram um problema para você, na verdade.

Sorri em admiração. Em seguida, ouviu-se um barulho vindo lá debaixo — uma voz de criança aparentemente animada. Veronica olhou para a porta e depois para mim.

— Deve ser Justin. — Minha irmã levantou-se. — Eu já volto.

— Tudo bem.

Ela me deixou por um tempo, talvez uns cinco minutos, enquanto eu encarava o vidro da janela do quarto sem motivo algum. Estava chovendo. Me disseram que o clima era o mesmo quando sofri o acidente de carro, e, mesmo não me lembrando de nada, eu podia sentir de alguma forma que era verdade.

Engoli em seco e toquei minha testa, especificamente na região um corte que parecia estar melhor. Não doía tanto assim. Acho que, francamente falando, qualquer dor física não me machucava tanto quanto aquela que não me permitia lembrar de nada recente. Ao menos machucados do meu corpo se curariam com o tempo.

Eu já não sabia se podia dizer o mesmo da minha memória.

— Daniel, eu vou indo... — ouvi Veronica dizer, próxima à porta.

Quando virei-me para ela, Justin e um garotinho — que suspeitei haver pela voz — de aparência tão bela quanto a de Justin a faziam companhia. Veronica veio até mim e beijou minha testa, acariciando meu ombro de leve.

— Eles vão ficar com você agora, tá bom? — perguntou-me. — Pode me ligar quando quiser.

Imediatamente fiz que sim.

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