A Lebre e as Pulgas

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Friedrich acordou de um sono sem sonhos, no meio da madrugada sem razão aparente, seus olhos simplesmente se abriram e não sentiram mais qualquer espécie de cansaço

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Friedrich acordou de um sono sem sonhos, no meio da madrugada sem razão aparente, seus olhos simplesmente se abriram e não sentiram mais qualquer espécie de cansaço. Estranhando a situação, agarrou em seu peito a cruz de madeira que havia talhado para preencher o vazio que sentia. Virou-se para o lado, vendo que Loki não estava presente. Costumavam dormir de costas um para o outro e ligeiramente próximos por conta do frio, por isso Friedrich provavelmente havia acordado ao estranhar a falta do calor dele.

Cheiro de fumaça percorreu suas narinas, fazendo sua mente despertar para o perigo iminente. Levantou-se em um salto, seguindo em direção ao som advento do crepitar das chamas. Afastando a vegetação com as mãos, não foram precisos muitos passos para descobrir que era apenas uma pequena fogueira, feita pelo homem dos cabelos de fogo.

A imagem à sua frente fez a pele de Friedrich se arrepiar, lhe causando uma sensação mista de pavor e arrebatamento. Uma lebre de cabeça decepada repousava em uma pedra lisa, com o sangue escorrendo numa vasilha de argila que Loki segurava. Não era o corpo mutilado do animal que lhe causava aquele terror, mas sim a forma como Loki olhava para os céus enquanto o líquido escarlate transbordava em suas mãos. O druida murmurava palavras inteligíveis para Friedrich, não sabendo se por conta de sua aflição ou por Loki sussurrá-las para ele mesmo. Os lábios moviam-se lentamente, pronunciando cada palavra igual uma oração. Em seguida, o feiticeiro bebeu do líquido rubro como se fosse água, manchando sua boca com a tinta fúnebre.

Friedrich se sobressaltou quando Loki olhou em sua direção, como se tivesse sentido sua presença, lhe encarando com os olhos verdes brilhando de maneira mística, sua íris cintilando igual uma estrela. Metade de seu rosto estava pintada com o sangue do animal, ainda fresco e escorrendo pelo seu pescoço. Friedrich abriu a boca para dizer algo em sua defesa, mas percebeu que Loki não parecia incomodado, voltando a olhar para a copa das árvores como se não tivesse o visto.

Suas mãos tremiam, sentiu o estômago se revirar pelo nervosismo. Afastou-se do lugar de culto de Loki aos tropeços e voltou para o singelo acampamento. Friedrich sabia exatamente o que precisava fazer, sequer precisava pensar antes, seus joelhos se dobraram e juntou as mãos, fechando os olhos buscando fugir da realidade que o assombrava.

– Ó meu Senhor, rogo por teu santíssimo nome, Deus todo misericordioso. Sabes em tua infinita sabedoria o quanto me dedico a seguir o teu caminho, por isso imploro por vossa benevolência para que perdoe minha convivência junto aos costumes hereges que blasfemam sua santidade. Que a luz divina possa iluminar a mente daqueles que ainda não abriram os olhos para a verdade e que eu seja forte o bastante para não cair nas mãos enganosas do pecado. – Friedrich rezava com confiança, as palavras saindo de maneira natural para o antigo clérigo. Respirou fundo, sentindo a fumaça que ainda percorria o lugar, fazendo-o abrir os olhos. A floresta estava quieta e Friedrich não queria permanecer em silêncio:

Ave Maria gratia plena Dominus tecum

Benedicta tu in mulieribus

Et benedictus fructus ventris tui Jesus

Ode aos desafortunadosOnde histórias criam vida. Descubra agora