Friedrich teria para sempre uma relação de dois gumes com sua vivência no mosteiro. Jamais seria a pessoa que havia se tornado se não fosse a promessa feita antes de seu próprio nascimento. O conhecimento que havia adquirido e as artes que lhe foram ensinadas, todos se tratavam de privilégios escondidos, afastados e proibidos para o restante do povo. O clero guardava seus segredos com uma exclusividade ferrenha, prendendo todo o saber em suas abadias como abelhas a vigiarem suas colmeias. O alquimista havia sido parte de uma parcela mínima da sociedade a possuir tal privilégio, e por mais que não fizesse mais parte da Ordem, ainda levava todo o saber e a eterna busca por ele dentro de si.
Amava aprender. Pois como alguém que viveu por muito tempo na ignorância sobre o mundo que o cercava, devorava os livros e discursos dos intelectuais de forma obstinada e com sede por ainda mais conhecimento, onde, se pudesse, aprenderia sobre todas as coisas sabidas caso fosse capaz. A praticidade e alcance pelos livros era algo que faria grande falta durante sua vida desde a partida do mosteiro, onde passaria a buscar pelo conhecimento não mais como algo diante dele, mas como um tesouro escondido e que sempre precisa ser reencontrado.
Foram tantas coisas que o mosteiro lhe proporcionou, junto a toda a devoção que tinha em seu espírito para com seu cargo, que não fora atoa todo trauma de ser expulso violentamente da irmandade que foi por tanto tempo sua casa. Uma vida tranquila e monótona completamente retirada à força de suas mãos, algo que Friedrich guardaria com pesar e lamentos por ainda muito tempo em seu interior.
Todavia, havia um detalhe que a memória de Friedrich muitas vezes mascarava sobre sua vivência em São Jerônimo. Sua saída do mosteiro não foi um dos momentos mais perturbadores, poderia ter sido o maior, mas não o único.
Pois a sua entrada como frade também havia sido lamentavelmente dolorosa.
Final de 1336, interior do condado de Hampshire, domínios de Lorde Harold Farley II. Ali foi onde um jovem fâmulo passou seus últimos instantes antes de isolar-se para a vida sacra.
As primeiras tochas estavam sendo acesas para iluminar os arredores da muralha e o caminho entre a plantação de trigo e o manso servil. O céu possuía o avermelhado típico do fim de dia, com cinzentas nuvens ameaçando trazer chuva ou neve ainda naquela noite, Friedrich sentia o vento veloz esvoaçando os cabelos compridos até a linha do queixo, refrescando por um instante o corpo imerso pelo calor do trabalho mesmo com o clima tenebroso do inverno. Quando a neve chegasse, provavelmente não precisaria mais trabalhar nos campos, mas a escassez tornaria tudo mais difícil, por isso onde passasse todos exibiam o mesmo olhar soturno e repleto de desânimo quanto ao dia seguinte.
As pernas doíam de tanto permanecer em pé, os braços pareciam amortecidos, ainda tendo de carregar um fardo de lenha até em casa. Contudo, já estava muito bem acostumado com tais frutos do trabalho braçal. Seu olhar apático denotava o cansaço que sentia, com parte significativa do descontentamento causado pelo estômago faminto que era raramente saciado por completo. Dificilmente comeria mais alguma coisa além de um naco de pão velho, já planejando se retirar para dormir logo após as orações que sempre fazia. Era mais fácil esquecer a fome dessa forma.
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Ode aos desafortunados
Historical FictionDISPONÍVEL AGORA NO AMAZON KINDLE VENCEDOR DO WATTYS 2020 na categoria Ficção Histórica. Um andarilho pagão luta diariamente para sobreviver na Inglaterra do século XIV. Vivendo como um curandeiro e sempre escapando dos olhos do clero, nem mesmo as...