O Pecado e a Penitência

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A tragédia não foi prevista, dado a calmaria que lhe deu início

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A tragédia não foi prevista, dado a calmaria que lhe deu início. Todavia é desta maneira que faz de uma tragédia ser ainda mais aterradora, inesperada como uma raposa a saltar em direção à lebre.

Loki passava a navalha com cuidado pelo rosto, tentando nivelar a barba da forma mais simétrica que conseguia. Há tempos tentava cultivar a barba de ponta afinada que uma parte dos homens costumava usar, porém dificilmente ele pagava o trabalho de um barbeiro e tentava sempre fazer por si mesmo. Havia se aprimorado com as tentativas, mas apesar de seu pulso firme, o reflexo que tinha como referência na correnteza do rio era disforme e ondulado pela água corrente, criando ilusões em sua própria imagem que faziam com que se barbeasse repleto de incertezas. Ao terminar, lavou o rosto e o secou junto ao cabelo ainda úmido, terminando de amarrar as chausses em seu calção e vestindo novamente sua túnica e o manto. Lavar-se por inteiro era um privilégio alcançado somente na partida do inverno, sem mantos e pelegos pesados para impedir a entrada da neve, era possível tornar aquele costume quase diário. Apesar do trabalho a mais, era gratificante não sentir a pele comichando constantemente.

Retornou para o lugar em que ele e Friedrich estavam acampados, vendo o companheiro remexer uma fogueira com um graveto. O cabelo loiro estava mais uma vez curto, dado que o alquimista não apreciava deixa-lo comprido depois de tantos anos acostumado a deixa-lo rente. Isso fez com que Loki tivesse o ímpeto de arrumar a própria barba, que começava a perder o formato fino e delineado que almejava conquistar.

– Como ficou? – Loki indagou com um sorriso irônico no rosto, acariciando o próprio rosto enquanto esperava a resposta de Friedrich que já o olhava com desdém.

– Torto, principalmente o lado esquerdo. – Respondeu com um meio sorriso, fazendo Loki soltar um breve riso pela sinceridade do outro depois de dar uma expressão de falsa mágoa. Friedrich observava-o de uma forma enigmática da qual Loki não soube decifrar, matutando o que podia estar passando em sua mente. Estava planejando algo, disso tinha certeza. – Tenho algo à lhe dar.

Loki ergueu as sobrancelhas, surpreso e curioso com o que o alquimista tinha em mente. Friedrich pegou alguma coisa no bolso que tinha pendurado ao seu cinto, não deixando ser vista enquanto a segurava com os punhos fechados. Dirigiu-se até ficar atrás do druida, amarrando um cordão ao seu pescoço. Loki pegou o pingente que ficou suspenso ao seu peito, constatando que na realidade se tratava de um minúsculo frasco de vidro com água em seu interior. Virando-o de um lado para o outro, constatou que o líquido era viscoso feito mel, sendo uma substância da qual Loki jamais havia visto em toda a sua vida. Lembrava mercúrio de certa forma, mas alguma coisa lhe dizia que o que tinha em mãos não era algo que houvesse ainda nome.

– É para protegê-lo do fogo que tanto teme. – Friedrich explicou, sentando-se mais próximo de Loki. – Não funciona tão bem quanto eu gostaria, mas é o melhor que tenho para oferecer... Coisa tola de estudioso.

– És melhor feiticeiro do que eu! Jamais pensei que um dia serviria tão bem ao paganismo. – Loki disse com seu típico sorriso de vigarista, fazendo o outro revirar os olhos.

Ode aos desafortunadosOnde histórias criam vida. Descubra agora