A grande questão do caso que tanto passava pela cabeça de Friedrich naquele momento de epifania – e provavelmente na sua, caro leitor, que está lendo esta história com admirável paciência – era de como um reles andarilho e curandeiro feito Loki ganharia os ouvidos e suposições da Lei que no momento parecia querer caçá-lo.
O que aconteceu foi mais natural do que se imaginava. Notícias e causos podem correr mais rápido que uma flecha recém-lançada, principalmente tratando-se de desgraças. E numa sociedade que grande parte delas se espalham mais pelo boca a boca do que pelos telegramas e pergaminhos, algumas frases podem ser incrementadas, um que outro fato modificado pela interpretação de cada um, uma pitada de exagero durante a fala, acabando por resultar em uma história com pedaços remendados das centenas de palavras proferidas tantas vezes naquele caminho, meias verdades clamadas como grandes fatos em que o povo prontamente acreditava por ser tão carente de mais informações.
Quiçá antes já houvesse boatos em um ducado e outro sobre o trabalho de Loki, contudo nada que fosse além dos relatos sobre seus melhores casos de cura, histórias isoladas que pouco efeito faziam para sua reputação. Contudo, más notícias correm muito mais rápido do que as boas, sejam elas verdadeiras ou falsas, ainda mais se tratando de bruxaria... Pois o povo ansiava por um motivo simples para suas misérias e infortúnios, por mais fantasiosos que fossem, precisavam colocar a culpa no alvo mais fácil que encontrassem. Botavam todo o rancor e desespero sustentados nas suas superstições, afoitos para esbravejaram de alguma forma simplória e brutal o bastante para saciarem seus desejos mais perversos. As histórias fantasiosas de monstros a devorarem crianças na floresta e de bruxas a dançarem nuas com o diabo podiam ser menos assustadoras que a própria realidade, tornando sua suposta destruição um júbilo temporário para seus corações vazios. Por isso acreditavam nelas tão piamente, pois do contrário estariam cientes do quão realmente miserável eram suas vidas, tornando-se uma forma de se distraírem dos verdadeiros problemas.
Há várias semanas após Friedrich se assustar com um alvo da forca e gritar para aldeões raivosos largarem o druida que queriam condenar, nenhum dos dois andarilhos se colocou a pensar que haveria consequências após a fuga de ambos que fossem além dos pesadelos que aquele dia os trouxe. Nem mesmo Loki e toda sua experiência contava com a proporção de tudo aquilo.
Como ele poderia saber que aquele grupo de fanáticos conseguiria convencer o dono das terras e o clero local a enviar um relato ao Santo Ofício? Por mais que a mensagem tivesse sido vista com desdém pelos inquisidores – afinal, denúncias de bruxaria eram constantes, não tendo como saber a real veracidade de cada uma das denúncias recebidas, a maior parte era simplesmente ignorada –, os boatos pela região espalharam-se e começaram a ganhar confirmações dos feitos de Loki, até mesmo de pessoas que antes o agradeceram pelo seu trabalho, onde ao ouvirem os supostos horrores de seus atos começaram a narrar sua aparição de forma totalmente diferente da verdade. Dessa forma, os relatos incrementados com lendas e achismos misturados, em dado momento toda aquela lenda acerca do druida acordou os olhos da Inquisição, agora podendo a qualquer momento lançar suas garras em direção a Loki com toda a sua fúria mascarada de justiça.
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Ode aos desafortunados
Historical FictionDISPONÍVEL AGORA NO AMAZON KINDLE VENCEDOR DO WATTYS 2020 na categoria Ficção Histórica. Um andarilho pagão luta diariamente para sobreviver na Inglaterra do século XIV. Vivendo como um curandeiro e sempre escapando dos olhos do clero, nem mesmo as...