Adrian sempre havia sido ranzinza até demais, ou era o que os irmãos sempre lhe diziam. Distante, retraído, casmurro, e desconfiado até o último fio de cabelo, quase incapaz de confiar plenamente em alguma outra alma. Não era o comportamento desejado de um frade, visto que a fraternidade para com os outros era um grande cerne desse estilo de vida, e Adrian tinha consciência desse seu defeito. Contudo, ele não se via capaz de desfazer-se daquele comportamento esquivo e solitário, ainda mais quando se via bem no meio da toca dos leões de Daniel. Neste caso, cautela quanto as pessoas nunca parecia ser o bastante para ele.
Ele não fora muito mais vivaz em sua época de noviço, mas ao menos tinha uma inocência pueril de acreditar que não acumularia inimizades naquele meio dito como santo. Ledo engano, Adrian abraçara os preceitos sagrados e as leis da Santa Igreja com uma ferocidade maníaca, almejando piamente tornar-se um servo de Deus primoroso e honrar toda a glória e esplendor do Altíssimo. Dedicaria sua vida integralmente à isso, e se fosse preciso morreria pela sua fé.
Dessa forma, a labuta e o perigo não lhe assombravam, pois sentia que a cada enganação de Satanás que derrotava mais próximo da santidade e da glória divina ele se encontrava. Era a única coisa que possuía e que o segurava naquela terra além dos pensamentos sombrios que tinha quanto a si mesmo, pois se não fosse um servo de Deus ele não era mais nada. Adrian alimentava suas lamúrias num ciclo vicioso entre suas rezas, seu desespero e as penitências que acreditava piamente merecer.
Pensava que a vida monástica era o lugar ideal para sua missão sacra, mas foi levado a uma decepção profunda ao ver tanta selvajaria, corrupção e profanação da palavra em meio à um ambiente que deveria ser um refúgio de todo o sacrilégio da terra. Um ódio palpitante lhe tomava o corpo junto ao desprezo e nojo que sentia de todos aqueles seculares heréticos a blasfemarem os ensinamentos do Altíssimo. Pois se Deus possuía misericórdia quanto aos seus filhos, Adrian tomava para si suas ofensas e vingava-se acreditando ser verdadeira justiça.
Começou ainda no noviciado, censurando os irmãos a discutirem firulas ou rirem feito bárbaros ao invés de praticarem o santo silêncio, da vez que denunciou ao falecido Abade Esmond um grupo que estava visitando a adega com uma frequência demasiada, ou quando reprovava os que ficavam a desenhar iluminuras supérfluas ao invés de se focarem na santa palavra, além de tantas outras críticas que já havia feito. Se Adrian já não era bom em fazer amizades, a partir disso ele próprio tinha consciência que sua presença não era a mais agradável aos outros, ganhando a alcunha de Ranzinza antes mesmo de fazer os votos.
Mas Adrian era muito mais que um frade carrancudo e tedioso, seu olhar de juiz era muito mais sagaz e astuto para incomodar-se com detalhes ditos como pequenos para a ordem. Se ele reclamara das piadas infames do falecido Aedan, também questionara para onde estava indo o tesouro arrecadado para os pobres de Londres, não temendo apontar o dedo diretamente na face dos corruptos e levar do padre ao cardeal para acertar as contas. Das vezes que discutiu com Friedrich de Farley quanto aos seus experimentos estranhos, também comprou briga com os diáconos da capital a venderem indumentárias falsas de Cristo ao povo ignorante. Quando repreendia os irmãos a se divertirem com poemas seculares, também escandalizava ao descobrir o porquê dos noviços estremecerem e chorarem de agonia só de ouvirem o nome de certos membros do clero e descobrir seus abusos. Se repreendia seus irmãos pelo riso, também esbravejava com aqueles que ainda vendiam indulgências, proibidas desde 1317. Adrian simplesmente não escolhia os pecadores, condenava todos eles, assim como a si mesmo.
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Ode aos desafortunados
Ficción históricaDISPONÍVEL AGORA NO AMAZON KINDLE VENCEDOR DO WATTYS 2020 na categoria Ficção Histórica. Um andarilho pagão luta diariamente para sobreviver na Inglaterra do século XIV. Vivendo como um curandeiro e sempre escapando dos olhos do clero, nem mesmo as...