No começo não tinham quaisquer planos de irem cada vez mais para o norte do reino, contudo, com a peste em seus encalços este acabou por ser o atual destino da dupla. Loki se questionava se chegariam ao ponto de ele reencontrar seu lugar de origem, no interior do ducado de Lancashire, que ficava quase no outro extremo do país, onde nunca ousou retornar até então. Percorriam amplas porções de colinas que se tornavam mais imponentes à medida que avançavam, transformando-se nas montanhas verdejantes e majestosas típicas daquelas partes do reino.
Entretanto aquela não era uma corrida comum, era uma disputa entre homem e praga. No começo parecia que realmente eram capazes de fugir do rastro de destruição e morte que a peste criava, conseguindo se refugiarem nos lugares que não foram afetados por ela até então. Porém, foram pegos de surpresa ao verem que vez ou outra a praga os alcançava muito antes, devastando vilas inteiras e deixando cidades em pânico e desespero. Pois a doença não era o único fator a se preocupar, toda a histeria que a acompanhava também prejudicava os negócios e uma boa relação com qualquer comunidade.
– Vale o risco? – Indagou Friedrich virando o rosto para Loki. Ambos estavam observando entre as árvores, acima de uma colina, um vilarejo que parecia sofrer as consequências da pandemia. Havia nuvens de fumaça e fuligem cobrindo grande parte da região, em consequência das fogueiras feitas para se livrarem dos corpos acumulados. Os aldeões cobriam-se dos pés a cabeça por medo do contágio, jogando brutalmente os mortos nas chamas. Friedrich observando atentamente teve até mesmo a impressão de ter visto jogarem alguém ainda vivo no fogo, virando o olhar para Loki instintivamente, torcendo para que o outro não tivesse tido o infortúnio de ver tal barbárie.
– Não diria risco, pois um risco pode levar à sorte ou ao azar. Aqui só vejo desgraça. Se não formos expulsos logo de cara, com certeza seremos presos ou ter todas as nossas coisas confiscadas. Afinal, chega a quase ser uma afronta se dizer médico ou curandeiro esses dias. – Loki concluiu com os lábios puxados para o lado e as sobrancelhas ruivas unidas, sua face demonstrando certa agonia pela cena.
– Há tanta desgraça que por vezes sinto não saber de nada acerca do mundo. Pois posso contar com facilidade o que sei sobre cura, mas me perco na contagem dos mortos. – Não havia brilho no azul de seus olhos ao dizer aquilo.
– O parabenizo por saber por em palavras o que sinto. – O ruivo disse com um sorriso vazio, se emaranhando entre as árvores para seguir caminho. – Melhor contornarmos o bosque, porém não podemos ser vistos nem aqui. Há chances de sermos penalizados por invadir o território.
– O que faremos? É a terceira vila que ignoramos nas últimas semanas, tendo também as que nos trouxe apenas prejuízo e nenhum cliente sequer. – Friedrich apontou visivelmente preocupado, enrolando a alça da sacola com os dedos pelo nervosismo. – Estão acabando os suprimentos e não temos um único tostão.
Loki sorriu travesso, com os olhos que mais pareciam ter vida própria faiscando mesmo na penumbra das árvores. Um olhar que atordoava Friedrich, sentindo a pele se arrepiar. Contudo aquele sorriso era mais do que um charme do outro, pois também alertava de que alguma surpresa dele estava por vir.
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Ode aos desafortunados
Historical FictionDISPONÍVEL AGORA NO AMAZON KINDLE VENCEDOR DO WATTYS 2020 na categoria Ficção Histórica. Um andarilho pagão luta diariamente para sobreviver na Inglaterra do século XIV. Vivendo como um curandeiro e sempre escapando dos olhos do clero, nem mesmo as...