O mundo despertou nublado e dolorido. A cabeça lhe maltratava com pontadas, os machucados e arranhões no corpo ardiam em sua pele e o estômago se revirava pela tontura. A visão lentamente retornava, fazendo-o enxergar novamente a luz que feria sua cabeça ainda mais, junto à confusão que aquele estado profundo de mal-estar o trazia. Era como um breve retorno da doença que quase havia o levado à morte um dia, um eterno lembrete de que jamais estaria sadio novamente.
De novo não. Friedrich pensou aborrecido, já sabendo o que havia ocorrido consigo. Porém, o que havia acontecido ao seu redor antes? Começou a questionar-se ao perceber que estava em um lugar totalmente desconhecido.
Havia a revolta, Loki segurava seu braço e...
Em algum momento, ele se foi.
Ignorando a própria vertigem, Friedrich se esforçou para sentar-se. Estava em um colchão improvisado que era apenas um cobertor por cima de um pouco de palha, dentro de um salão de pedra muito antigo e um tanto maltratado, que parecia ter sido improvisado como uma espécie de enfermaria. Outras pessoas estavam deitadas ou sentadas ao seu redor, algumas visivelmente doentes, outras machucadas e enfaixadas, todas sendo cuidadas por um monge.
Não foi exatamente um déjà-vu que ele sentiu naquele instante, mas algo semelhante, pois não era algo desconhecido que lhe parecia familiar e sim uma janela de seu próprio passado, como se tivesse sido transportado novamente para sua antiga vida depois de um sonho muito estranho e vívido. Um arrepio de pavor passou pelo seu corpo, enquanto questionava-se o que raios estava acontecendo e o que estava fazendo naquele lugar em específico, encarando o monge com os olhos arregalados e o corpo travado pelo susto.
Porém, logo percebeu que não era um monge da qual reconhecia como de sua ordem. Mesmo com a tonsura de auréola, os gestos silenciosos e o cinto de corda, aquele não era um frade beneditino. O hábito cinza remendado, o corpo franzino de jejum constante e os pés descalços não eram característicos da antiga ordem de Friedrich, mas de um frade franciscano.
Surpreso e ainda tentando assimilar o que acontecia, olhou ao seu redor, esperançoso em ter algum vislumbre do companheiro estando em algum lugar. Quem sabe Loki ainda estivesse em sua companhia, fosse ele tendo o levado ali ou sido encaminhado com ele pelos frades. Contudo, não havia um único fio de cabelo ruivo no recinto.
– Er... Com licença, irmão? – Resolveu indagar ao frade que refazia as bandagens da cabeça de um homem tomado por queimaduras terríveis, possivelmente do incêndio que se sucedera na vila. Mas o religioso não moveu um único músculo em sua direção, parecendo ignorá-lo. – Olá?
– Nem tente, ele é estúpido. Não reage e nem fala. – Outro homem deitado ao seu lado, com talas em uma das pernas, lhe disse em um resmungo de escárnio. No mesmo instante, uma porta rangendo os ferrolhos foi aberta, fazendo surgir outro frade no recinto.
Tratava-se de um homem alto e magro, de nariz aquilino e cabelos lisos castanhos, com os lábios finos em um sorriso simpático, dirigindo um olhar cuidadoso ao enfermo.
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Ode aos desafortunados
Historical FictionDISPONÍVEL AGORA NO AMAZON KINDLE VENCEDOR DO WATTYS 2020 na categoria Ficção Histórica. Um andarilho pagão luta diariamente para sobreviver na Inglaterra do século XIV. Vivendo como um curandeiro e sempre escapando dos olhos do clero, nem mesmo as...