Havia uma linha muito tênue entre ser gentil e ser inocente. Pois ser caridoso não significava ignorar toda a maldade do mundo e sim combatê-la, estender a mão para os odiosos não significava estar sendo complacente com suas atitudes, espalhar a bondade não era o mesmo que ser ingênuo e tolo. Frei Michael sabia muito bem disso. Tentava ser um homem bom todos os dias quando acordava, mas não deixava seu senso crítico ser abalado.
De tal forma, sabia que havia algo na história de irmão Friedrich que não se encaixava.
Havia se simpatizado com ele a princípio. Era um homem reservado, mas dotado de uma amabilidade cativante e de um dom pela caridade que foi provado tão logo havia se apresentado, ajudando o convento e seus feridos mesmo em meio à própria dor. Além do mais, irmão Lazarus havia gostado dele e finalmente havia com quem dividir o entusiasmo pela ciência. Para Michael um amigo de um de seus irmãos era seu amigo também, e alguém plácido como aquele inglês não era difícil de chamar de irmão também.
Quando Friedrich relatou sua triste história sobre seu mosteiro, também havia se compadecido com sua dor e apesar de estranhar que ele não tenha revelado aquilo tão cedo, imaginou a princípio que era por conta de seus próprios medos. A história de Friedrich poderia fazer sentido, mas a intuição de Michael começou a criar suspeitas de que havia algo em seu discurso sendo escondido.
Mas com o passar dos dias, Friedrich havia permanecido com a mesma postura serena e bem devota, pondo para dormir parte de suas suspeitas conforme era enlaçado pela sua simpatia e a amizade que se formava. Ele ajudava ao convento sem buscar nada em troca, além de ensinar à Lazarus o conhecimento que nenhum deles era capaz de oferecer, fazendo-o só pelo simples prazer de ensinar. Acreditando, por fim, que sua desconfiança anterior eram infundadas, acabou por até oferecer ajuda pelo amigo que Friedrich parecia tanto prezar, crendo que ele merecia ter a mão estendida depois do que fez por eles.
Foi a partir dali que as suspeitas de Michael retornaram, agora com ainda mais desconfiança.
Algo não se encaixava naquela história do amigo prisioneiro. Naquele ponto, se fosse realmente um crime leve já teria recebido sua punição e possivelmente sido libertado. Se fosse participante dos rebeldes, não havia o porquê de Friedrich esconder tal informação deles que não julgavam camponeses famintos. Michael concluiu que teria de ser um crime grave, algo que se provou quando frei Raphael lhe relatou completamente extasiado que Friedrich havia tido a coragem de conversar com "O Bruxo''. Não havia motivo para o beneditino ter feito aquilo, quando havia aceitado o trabalho apenas com o interesse de encontrar o companheiro, logo, o herege teria de ser ele.
Frei Michael não conseguia compreender por que alguém como Friedrich que parecia ser tão devoto quanto eles estava envolvido com um condenado por heresia. Mas quiçá devesse ter desconfiado desde o princípio ao ver o quão instruído da alquimia ele era. Lazarus sempre lhe dizia para que não tivesse preconceitos com os estudos eruditos e por isso relevava os estudos do amigo e quando Friedrich chegou, mas naquele momento sentiu que todas suas desconfianças se provavam verdadeiras. Teria de conversar com irmão Lazarus para que revesse seu interesse por tais artes sombrias, mas isso depois que resolvesse o problema com o intruso.
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Ode aos desafortunados
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