Caso seu corpo fosse um pouco mais forte, se ao menos não houvesse tantos ossos amostra, quem sabe aquela menina poderia ter sobrevivido. Contudo, a realidade era que remédio ou poção alguma conseguiria fazer grandes efeitos em alguém tão fraco tentando lutar contra a doença. Pouco lençol foi necessário para cobrir o cadáver mirrado e de cova estreita.
Friedrich não queria perder a esperança, mesmo quando o padre fora chamado para dar a unção. Visto que ele mesmo havia quase retornado dos mortos um dia, esperava que tal milagre pudesse se repetir em outras pessoas. Contudo, seu caso mostrava-se cada vez mais raro ao não ser capaz de presenciar tal situação noutros. E aquela esperança que havia no princípio tornava-se apenas mágoa e dor, ficando amargas bem no fundo da garganta ao ver-se novamente no lugar de anjo da morte.
– É mais fácil quando você se prepara antes. Nem sempre dá para esperar por um milagre. – Disse-lhe Loki enquanto observavam, a alguns passos de distância, a cova sendo coberta de terra. Seus olhos estavam tão escuros feito musgo. Ficaram daquela forma ainda antes da morte da menina, onde apesar de não desistir de seus pacientes até o último suspiro, Loki já havia aprendido os sinais de uma derrota para poder prevê-la.
– Não sei se conseguiria. – Friedrich suspirou, cansado pela noite sem sono e do luto logo em frente.
– Fará uma hora ou outra, ou enlouquecerá. – O druida disse em devaneio, quase que falando para si mesmo. Fazia uma manhã cinzenta e com um ar que não trazia frescor algum. Uma fogueira estava acesa não muito longe, fazendo voar as cinzas em seus ombros como neve que pousa sem perguntar. Aquela parecia ser uma primavera de poucos frutos.
Ficaram mais tempo naquele feudo do que planejavam, não apenas pela morte da paciente, mas pela própria indecisão de ambos. Não sabiam se avançavam para o leste ou se aventuravam pelo litoral do Mar do Norte. Já haviam andado sem rumo por tempo demais, era perigoso se perderem em uma terra vasta, podiam parar em armadilhas de saqueadores caso não soubessem onde estavam indo.
Contudo, era de se aproveitar quando encontravam um lugar que parecia tranquilo. Apesar de haver pessoas com peste definhando nos becos e interior das choupanas, não havia problemas maiores além da falta de abrigo e de ter de negar por aquilo que todos realmente precisavam.
– Peste? Não senhor, nós não tratamos da peste. – A resposta era rápida, quase sem precisar pensar, tamanha era a certeza de suas palavras. Havia vergonha pela covardia, medo da morte e decepção pela ignorância da moléstia. Algumas pessoas acabavam por largarem insultos após isso, visto que eles se apresentavam a princípio como médicos e teoricamente deveriam saber curar qualquer enfermidade. Bom se o fosse, mas apenas havia o pouco conhecimento que acumularam pela vida.
Outras apenas saíam cabisbaixas ao se verem sem mais alternativas para curar os entes queridos, porém nunca surpresas, pois a morte sempre vinha como um animal faminto ao pote, quando se tratava de tal caso.
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Ode aos desafortunados
Historical FictionDISPONÍVEL AGORA NO AMAZON KINDLE VENCEDOR DO WATTYS 2020 na categoria Ficção Histórica. Um andarilho pagão luta diariamente para sobreviver na Inglaterra do século XIV. Vivendo como um curandeiro e sempre escapando dos olhos do clero, nem mesmo as...