Para todos aqueles que apoiaram e incentivaram a minha leitura e amor por esse vasto e incrível universo dos livros
A fadiga, psicológica e física, havia deixado Wander completamente esgotado. Mesmo que quisesse, não aguentaria ficar acordado. Depois de assistir ao vídeo no dia anterior, ele foi direto para o seu quarto, voltar a dormir. O resultado daquilo: O garoto só acordara no dia seguinte, graças a um alarme maldito emitido pelo condomínio inteiro através dos autofalantes.
Sua força de vontade nunca estivera tão fraca... Se vendo obrigado a levantar, Wander o fez. Foi até o guarda-roupas num canto do quarto e pegou suas roupas. No banheiro, desenfaixou a perna, revelando uma ferida que já começava a cicatrizar. "Como isso vai arder com a água quente e o sabão...", pensou ele. O curativo sujo foi jogado na lixeira e Wander entrou debaixo do chuveiro.
Sem nenhum aviso prévio, quando o banho atingiu os seus dez minutos a água simplesmente desligou. Automaticamente. Wander se trocou, colocou o curativo e voltou ao quarto, aonde vasculhou até achar sua mochila ou materiais. Eles estavam escondidos no fundo guarda-roupa.
Sua barriga roncou. Isso era esperado, ele estava à, no mínimo, 36 horas sem colocar nada na boca. Pegou leite e cereais na cozinha e comeu o máximo que pôde. Enfim, foi em direção da escola daquele setor.
O prédio utilizado como colégio não era muito distante dali. Na entrada, procurou por informações e descobriu que sua sala de aula se encontrava no segundo andar. Aproveitou para pegar o caderno e anotar o horário de aulas do dia. A primeira era a de matemática.
Wander subiu as escadas e entrou na sala. Cerca de metade dos alunos já estavam lá, e, infelizmente, ninguém lhe era conhecido. Procurou por um lugar vago lá atrás e se sentou. Ele esperou, sem nada para fazer. Lá na frente havia um telão. Foi impossível evitar os murmúrios quando um soldado entrou na sala e fechou a porta atrás de si. Ele estava armado. Caminhou até a lateral da tela e clicou em algum lugar.
A tela ligou e um vídeo foi iniciado. Um texto começou a ser passado para que os alunos copiassem ao mesmo tempo que uma voz computadorizada explicava a matéria. Ao que Wander percebera, todas as aulas à partir daquele dia seriam através de vídeos.
Se passaram três horas e o vídeo se desligou automaticamente. O guarda abriu a porta, ainda em compostura.
— Desçam, o refeitório é no primeiro andar. Voltem assim que o primeiro sinal tocar, pois não entraram após o segundo.
Wander foi um dos últimos a se levantar de seu lugar e sair da sala. Durante a aula, o lugar havia sido todo remobiliado.
O garoto entrou na fila, pegou um prato de plástico no balcão e estendeu-o à "garçonete", uma velha feia e desleixada de cara mal-humorada. Ela pegou a concha, mergulhou em um panelão que estava ao seu lado, e jogou seu conteúdo no prato de Wander. Era uma gororoba; literalmente. Uma substância pastosa e de coloração esverdeada. O garoto fez uma careta ao ver aquilo.
Saiu da fila e foi direto para uma lixeira, aonde despejou oque deveria ser o seu lanche. Depois, devolveu o prato sujo e procurou uma mesa vazia para se sentar e descansar da manhã, até então, incrivelmente exaustiva.
Em apenas cinco minutos, o primeiro sinal tocou. Era hora de voltar para a sala.
Finalmente a aula acabara. Wander desceu as escadas velozmente, querendo chegar logo em casa para, enfim, fazer uma refeição decente. No tumulto do primeiro andar, ele esbarrava em alguém toda hora.
— Desculpe — disse pela centésima vez, ao esbarrar em uma garota claramente mais velha que ele.
— Eu conheço essa voz... — comentou a outra em voz alta e se virou.
Finalmente, alguém que Wander conhecia. Ela não poderia ser chamada de amiga, pois ambos só se virão uma vez, quando Marah lhe apresentou ao garoto. De frente a Wander se encontrava Helena, uma terceiranista.
— Oh, meu Deus. É tão bom te ver aqui! Finalmente um conhecido meu. — ela disse.
— Helena? Eu não fazia ideia de que você era usuária de um Golem de fogo!
— Eu posso dizer o mesmo a você. Posso te acompanhar?
— Claro — respondeu Wander, já voltando a se movimentar em meio a tantos outros garotos.
Eles se espremeram na porta e finalmente estavam na rua. Começaram a caminhar na direção de seus respectivos condomínios, conversando.
— E a Marah? Tem alguma notícia dela?
— Ela tenha conseguido fugir antes de ser capturada. Deve estar na base rebelde. Tenho fé que esteja bem.
— Sabe uma coisa que sempre tive curiosidade? Qual é o golem dela? Nunca tive coragem de perguntar, afinal, não éramos tão próximas assim antes de tudo isso. Eu chuto de água.
— Tá, claro. De água, é claro... Ela tem um golem de ar. Mesmo não sendo fria e calculista como a maioria, ela sempre foi alguém bem racional. Não se deixa levar pelos sentimentos.
Antes que percebesse, já estavam de frente para o condomínio onde Helena estava alojada. Eles se despediram, a garota entrou e Wander seguiu a rua sozinho. Depois de algumas esquinas, ele também chegou.
Subiu correndo até o seu apartamento e fez um almoço corrido. Ele não ficou bom, nem de longe, mas dava para o gasto. Pelo menos era melhor que a gororoba da escola, e até que a comida servida quando ele estava preso esperando a execução.
Quando terminou de comer, foi para o sofá e ligou a televisão. Começou a passar os canais, procurando algo que lhe chamasse atenção. Enfim, ele chegou a um noticiário.
"Rebeldes são pegos na tentativa de invadir o condomínio do ar", dizia a legenda.
Uma jornalista falava enquanto as fotos dos rebeldes passavam num canto da tela, logo abaixo ao relógio. Wander sentia o coração apertar a cada foto que passava, como se previsse algo de ruim.
—... Dentre os vinte e um apreendidos, nove eram menores de idade. — Wander suspirava a cada pessoa que ele não conhecia. Era egoísta, aquilo, mas ele esperava do fundo do coração que continuasse assim — Porém, o governo decidiu que todos deveriam sofrer o mesmo destino: uma execução pública na praça, no condomínio de ar.
Agora sim, Wander rezava para que não surgisse um rosto familiar. Faltavam apenas cinco... Quatro... Três... E então, ele gelou. Se tornou pálido, parecia albino. A penúltima pessoa a aparecer no noticiário era um conhecido seu. Seu amigo, a quem considerava muito; Alex.
—... A execução será hoje, dia vinte e dois, às três horas da tarde.
Wander subiu os olhos ao relógio na televisão. 14:55. Já era tarde demais.
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Alma de Golem (completo)
Science FictionUm garoto comum numa distopia, o que poderia dar errado? Wander, um adolescente dezesseis anos, está prestes a ter sua vida virada de cabeça para baixo graças a um tour de colégio pela cadeia local. Nesse mundo onde ele vive, as almas são encarnada...