Para todos aqueles que apoiaram e incentivaram a minha leitura e amor por esse vasto e incrível universo dos livros
Cada uma daquelas chicotadas ainda permanecia clara em sua mente. Ele ainda as sentia, em cada célula de seu ser. Os cortes já haviam parado de sangrar, mas estavam longe de estar totalmente cicatrizados. Wander revisava mentalmente uma das coisas que Marah o dissera enquanto explicava a segunda era. Assim ele apelidara as fazes de sua vida. Era Negativa, desde a gestação até a prisão de seu pai; Era Um, até a visita à prisão; Era Dois, desde o inicio de seu coma até o inicio daquele sistema de condomínios; e por fim a Era Três, que permanecia até o momento. Uma bobagem, ele sabia, mas era assim que passava as horas entediantes naquela maca, cercado por quatro paredes brancas, manchadas de mofo e salpicadas de rachaduras.
"Por algum motivo, o governo te salvou e o curou com drogas medicinais de última geração.", Wander ouvia sua amada, retumbando no interior de sua mente. Qual seria o motivo daquilo? Por que não se esforçavam como da vez anterior? Se ele não merecesse o esforço, então por que o salvaram na primeira vez?
Era melhor não pensar naquilo. Ficar com perguntas entaladas na garganta, sem chances de resposta, só o deixaria mais angustiado.
Ele divagou mais um pouco até se deparar com outra questão; ele não havia conseguido usar seu Golem. O que teria acontecido? O que estava acontecendo? Mesmo que perguntasse, sabia que não o responderiam.
Wander se encontrava no hospital da zona leste de seu condomínio, em um quarto no quinto andar. Os equipamentos disponíveis estavam caindo aos pedaços, como se enviassem para lá apenas coisas usadas sem mais serventia para as outras cidades. Estavam esquecidos, e o governo buscava gastar o mínimo possível com eles. Era perfeitamente claro para Wander que não havia funcionários o suficiente na limpeza, a julgar pelo estado do chão. Montes de poeira se erguiam nas quinas entre o piso e a parede. O mundo ao lado de fora estava ainda mais triste devido à sujeira acumulada no vidro das janelas, ficando em um tom sépia, ou pastel. A todo momento, um cisco caia nos olhos de Wander. Sempre que alguém pisava no quarto acima ao seu, a laje tremia de maneira ameaçadora, quase caindo. A cama rangia a um simples movimento e não tinha sequer um livro para gastar o seu tempo, lendo e relendo.
O dia anterior era um borrão em sua mente. Lembranças borradas de si mesmo gritando de dor, sendo açoitado por dois guardas sádicos, enquanto sua amiga apenas assistia, impotente. Uma neblina da sensação do sangue escorrendo por suas costas e de sua afinal liberdade. Alguém o carregando nos ombros até o hospital.
Alguém bateu à porta de madeira que ligava o quarto de Wander ao corredor. Sem esperar nenhuma resposta, a porta se abriu com um rangido agudo e enferrujado de suas dobradiças de ferro. A mulher que acabara de entrar era alta e vestia-se com uma roupa inteiramente branca por baixo de seu jaleco. Carregava uma caneta azul, usada para prender o seu coque, e uma prancheta em baixo do braço.
Ela se aproximou e observou um papel grudado na maca por um minuto, antes de se reportar ao garoto.
— Os ferimentos se abriram ou voltaram a sangrar?
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Alma de Golem (completo)
Science FictionUm garoto comum numa distopia, o que poderia dar errado? Wander, um adolescente dezesseis anos, está prestes a ter sua vida virada de cabeça para baixo graças a um tour de colégio pela cadeia local. Nesse mundo onde ele vive, as almas são encarnada...