Capítulo 20 - Jantar Formal

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Para todos aqueles que apoiaram e incentivaram a minha leitura e amor por esse vasto e incrível universo dos livros    








Wander e Marah não queriam mais se soltar, nunca, nunca. Depois de tantos encontros e desencontros, cada qual mais aflitivo que o outro. Uma ocasião pior que a anterior, e a seguinte ainda mais ruim. Eles apertaram seus corpos um contra o outro de novo, apertando o mais forte que podiam. Marah lhe provocou um choque de dor ao apertar suas costas, ainda manchadas por dezenas de ferimentos mal cicatrizados. Mas ele não se desvencilhou, apenas soltou um grunhido abafado; o bastante para que sua namorada ouvisse.

— O que... Você está bem?

    —Estou, estou. — mentiu Wander, mesmo sabendo que não duraria. Não queria manchar outra ocasião com uma onda de aflição.

— Eu sei quando está mentindo, Wander. E sei oque ouvi. Está machucado, não está? Vire-se.

O adolescente o fez, mesmo contrariado, e percebeu todos tentando abafar uma interjeição de surpresa. Assim que se virou, Rennon apressou-se em segurá-lo pelo antebraço direito e Marah pelo esquerdo, quase como que algo planejado.

— Wander, cara, seu lezado! Que fez dessa vez?

— Me soltem, que isso?

— A gente deve te levar já pra enfermaria. Vão te tratar.

— Mas eu estou bem. Já fui tratado e tenho até um remédio para o caso de eu sentir dor.

— Ainda assim, ao menos deve ser examinado, Wand. — o apelido deu uma sensação de nostalgia ao garoto — O dr. Vai te fazer um curativo.

Sem demorar muito, já adentravam a grande porta de madeira entalhada, entrada para o casarão da fazenda. Wander desistiu de tentar resistir e se deixou ser arrastado cômodos e mais cômodos adiante. Chegaram ao que parecia ser um salão de festas, vazio e empoeirado, e subiram depressa as escadarias ao segundo andar, tomando o caminho esquerdo. Ao final o corredor, adentraram num grande quarto que parecia ter sido colocado como enfermaria, com várias camas dispostas, uma mesa ao canto com um filtro de barro, uma porta que levava ao banheiro e um armário de madeira.

Um velho careca e narigudo os percebeu, marcou a página do seu livro, o dispôs à mesa e se levantou já colocando um par de luvas de silicone brancas. Abriu um sorriso acalentador e lançou:

— Não acredito no que meus olhos me mostram.

— Eles não o traem, doutor. Wand precisa de um check-up e um curativo. — disse Marah.

— Deixem comigo. Prazer em conhecê-lo, senhor Wander.

— Senhor?

— Meu nome é Paulinho. Então, vamos logo com isso, acredito que Mathias deve estar ansioso em falar com você. — o estomago de Wander se revirou ao se lembrar dele — Certo qual é o problema em questão?

— Minhas costas, doutor.

— Ora, me chame de Paulo. Ou Paulinho. Todos me chamam assim. Muito bem, vire-se para que eu possa examiná-lo

Wander fez o que o doutor lhe mandava. Enquanto isso, Rennon e Marah se recolheram num canto. Depois de examinar de perto as marcas do açoitamento, Paulo foi até o armário e voltou com um maço de algodão e uma garrafa com um líquido amarelado. Molhou o algodão e passou por toda a extensão das costas do garoto.

— Mais algum ferimento antes de passar ao procedimento padrão?

Wander se esforçou, tentando lembrar de algo. Sentia que estava esquecendo de alguma coisa, mas o quê? Num estalo, ele se lembrou. Arregaçou uma das pernas da sua calça até o joelho e mostrou o curativo, já antigo.

O médico o tirou e examinou a cicatriz.

— Cara, em que tipo de coisa andou se metendo nessas últimas semanas?!

— Bem, isso aqui foi como me capturaram. Um tiro, mas já nem sinto mais. Já o açoitamento, foi há uns dias. Eu fiquei no lugar de um garotinho.

—Wander, deveria ser mais cauteloso. — ralhou Marah.

— Sua amiga tem razão. Por sorte, já estava cicatrizado, mas vejo que entrou em contato com inúmeras bactérias.

— Namorada. — corrigiu Rennon, sapeca.

— Há, é que estive nos esgotos... — explicou Wander.

Duas horas depois — que se passaram enquanto Wander contava tudo o que havia acontecido desde com separaram-se; o tiro, a captura, o novo sistema, Helena, a execução de Alex, o açoitamento, o hospital, a fuga, a perseguição, seu pai e o caminho até ali —, eles foram liberados e desceram de volta. Assim que pisaram nas escadarias, Wander engoliu em seco ao ver a pessoa que mais odiava.

— Mathias... — resmungou com uma careta.

Mais que o antigo prefeito, que os outros políticos e o presidente, mais que os guardas, em especial Johnna, mais que qualquer um, Mathias era a pessoa mais irritante a se conviver.

— Wander, não sabe o quanto estou contente em ver que você chegou bem. Espero que durante esse tempo tenha recogitado a oferta que lhe apresentei.

— Não. Estive sem tempo pra isso, tendo que sobreviver.

— Ah, não importa, sei que vai aceitar. Seja muito bem vindo a nossa nova sede! Sei que não é muita coisa, mas... Enfim. Como tem estado?

— Mal.

— AH! Sei bem como é que é. Sabe, aqui está um caos pra mim. Ainda bem que você chegou para me ajudar. Liderar uma rebelião é um tanto... Desafiador. Sei que me entende. Desculpe, mas já estou atrasado, se puder vir comigo, eu tenho algumas tarefas a você e...

Marah deu um passo para frente e já estava a ponto de dizer algo, mas Wander a impediu. Ele já sabia se defender sozinho, não era mais um moleque passivo, que se deixava levar pelas escolhas dos outros.

— Não. Não vou a lugar nenhum. Estou cansado, foi uma viagem longa, e esta é SUA obrigação, não minha. Nunca disse que iria te ajudar.

— Vocês dois podem nos deixar a sós? — pediu Mathias em tom de ameaça — Ele não está pensando com lógica. Não sabe a sua posição aqui...

— Eles não vão a lugar algum.

— Diga por você, cara. — falou Rennon, suando frio — Eu já estou saindo, senhor. — e correu escadas abaixo, rumo ao alpendre.

— Escute só, Mathias — impôs-se Wander —, você não está em posição de me dar ordens. Acredito que você precisa mais de mim que eu de você. E se quisesse, um motim seria a coisa mais fácil de se fazer. Foi claro?

A expressão do homem se contorceu em raiva.

— Hoje haverá um jantar comemorativo. Esteja neste salão às sete horas da noite. Procure um quarto vazio para você e seu pai, essa não é "minha obrigação" — ele fez aspas com o dedo e subiu batendo os pés.

O casal passou um minuto quieto no topo da escada.

— Você cresceu. — comentou Marah, um tom de admiração na voz — Já é um homem.

— Você também não é mais uma menina.

Eles se aproximaram para um caloroso beijo, doce e duradouro. Wander não queria se conter naquilo.

— Acho que já tem idade para que eu lhe apresente o meu quarto. O que você acha?

— Acho que preciso me distrair de tudo oque passei, e matar minha saudade de você. Realmente, é uma ótima ideia. — respondeu Wander, sorrindo discretamente. — Eu te amo.   

Alma de Golem (completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora