17. ALBERT

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Ela corria para longe ignorando meus chamados

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Ela corria para longe ignorando meus chamados. Não importava quantas vezes insistisse em chamar seu nome, ela nunca olhava para trás. Estava descalça e usava um vestido verde do qual não me lembrava, paredes de concreto surgiram à nossa volta enquanto eu a perseguia, estavam lá o tempo todo e, tão focado estava nela, não havia percebido? Era o centro da cidade, prédios altos, avermelhados e de um tom pálido de bege enfileiravam-se em um emaranhado de ruas que se entrecruzavam, as fachadas com cornijas elaboradas e frisos cheios de arabescos entalhados com cuidado, mas não havia carros na pista, o sinal oscilava entre o verde e o vermelho e ela parou bem no meio do cruzamento onde as ruas se encontravam.

O momento que ela virou na minha direção, os longos cabelos castanhos esvoaçando revoltosos com o vento suave, os olhos azul acinzentados não tinham qualquer brilho, eram apenas vazios como se me olhassem sem realmente me ver, ela ergueu o braço na minha direção, bem na hora que um carro chocou-se contra seu corpo arremessando-a longe na rua até seu corpo cair contra o asfalto frio, um lago de sangue formando-se sob ela, queria correr ao seu encontro, mas meu corpo parecia grudado no lugar, sendo engolido pela camada de piche da pista, gritei seu nome mais uma vez antes de acordar assustado e suado quando o despertador apitou sete e meia da manhã.

O quarto estava escuro, senti-me zonzo por um instante, fazia semanas recorrentes que aquele pesadelo continuava assombrando minhas noites. Não importava o quanto tentássemos seguir em frente, a perda de Geovana era algo que não podíamos ignorar não importava o que fizéssemos, ela estava presente em cada canto da nossa casa, da nossa mente, do nosso coração cheio de amargura com o vazio que ela deixara para trás. Suspirei, cansado, pus-me de pé e puxei as cortinas abrindo a janela para sentir o vento gélido chocar-se contra meu corpo como uma parede de gelo. Tudo na rua parecia normal, a senhora Hurd estava colocando o lixo para fora e pegando a correspondência enquanto seu terrier, Punch , latia desvairadamente para os filhos da sua vizinha, a senhora Lace, que iam para a escola. O garoto do jornal passava em sua bicicleta atirando o jornal na porta dos assinantes, o senhor Lace voltava suado da sua corrida matinal, a mesma rotina corriqueira que, para nós, parecia tão absurda e sem sentido.

Saí do quarto e fui até o banheiro, minha aparência no espelho não era nada agradável, não importava o que fizesse, uma vez que a sua alma perde o brilho você não consegue mais parecer humano, não passa de uma existência vazia vegetando num corpo que é obrigado a mover para cumprir as obrigações impostas pela vida "normal". Contudo, eu sabia, nem eu e nem minha mãe conseguiríamos ter uma vida normal enquanto o assunto da minha irmã não tivesse realmente uma conclusão, aquele era o motivo por trás do nosso desespero. Não haviam encontrado o corpo da Geovana em lugar nenhum, embora a polícia a considerasse morta pelo tempo de desaparecimento, a bolsa que levara quando saíra de casa também não foi encontrada e seu celular havia ficado em casa, o último número que ligara para ela era de um telefone descartável.

As perguntas sem respostas assombravam nossa vida não permitiam que tivéssemos paz, insistiam em manter abertas todas as possibilidades, para nós, a esperança de que Geovana estivesse viva era o que nos mantinha cativos daquela agonia. Não encontrei minha mãe em seu quarto na minha volta do banheiro, respirei fundo sabendo que ela havia passado a noite no quarto da minha irmã e tive minha confirmação quando a porta abriu-se e ela surgiu com os olhos inchados e a mesma aparência abatida das últimas semanas, cumprimentou-me quase sem voz e deu-me um abraço ao passar na direção do banheiro. Não comentei, eu não comentava mais, havíamos escolhido o silêncio uma vez que nada do que disséssemos poderia melhorar o modo como nos sentíamos. Troquei de roupa e chequei novamente se estava tudo na pasta antes de descer para o café da manhã.

Um Novo Começo (2ª Edição)Onde histórias criam vida. Descubra agora