Sapatilhas

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Quando meu despertador começou a apitar as 7:00h da manhã, acordei com um pulo da cama. Realmente não deveria ter ficado até muito tarde naquele casamento, ou não deveria ter ficado me amassando com Denis, antes da cerimônia. Tomei um café rápido e fui até o quarto de Pedro. Abri a porta devagar para não acordá-lo, mas percebi que poderia derrubar o apartamento que ele não acordaria, dei um sorrisinho por imaginar a dor de cabeça que ele teria depois de acordar, e a ressaca por ter bebido muito. Pedro era muito responsável, então acreditei que ele bebeu assim por eu estar com Denis quando deveria estar no casamento do nosso primo Rafael.

Eu precisava chegar o mais rápido possível na academia. Sim, eu sou bailarina! Antes da minha mãe falecer, ela me levava para a aula de ballet, e eu amava aquilo, sempre gostei da arte de dançar. Depois que ela partiu, eu parei por um tempo de ter aulas, mas ainda agradeço à minha tia, que foi quem nos criou, por ter me colocado novamente nas aulas. Depois que nós crescemos, não é apenas colocar as sapatilhas e repetir os passos que a professora fica lá na frente fazendo pra nos ensinar. Se realmente eu quisesse seguir carreira profissional no ramo do ballet, eu tinha que correr atrás. E era o que eu estava fazendo, tinha surgido uma oportunidade, e eu precisa correr para alcançá-la.

Peguei minhas sapatilhas, que já estavam um pouco surradas, as chaves do carro e sussurrei um "Te amo" para o meu irmão que ainda estava apagado. Peguei o elevador com uma vizinha minha que eu não conhecia, apenas já tinha visto ela na portaria algumas vezes, uma senhora idosa que eu jurava que tinha no mínimo uma dúzia de gatos em seu apartamento pela quantidade de pelos em seu suéter de crochê. Ela me sorriu meigamente, e eu retribui segurado a porta do elevador para que ela entrasse com o seu carrinho da feira.

- Dia bonito não acha, minha filha? - A Sra. me perguntou gentilmente. Fiquei olhando para ela, e sorri novamente.

- Sim. Para um Outono como este, até que está um dia bom! - Continuei olhando para os números dos andares que pareciam demorar uma década para mudar. Confesso que eu não sou muito sociável, não queria ser mal educada com ela, mas também não queria ser amiga de uma senhora de 80 anos.

- Verdade, verdade. Mas ultimamente não saio sem meu casaquinho! - Disse ela sorrindo meigamente. Ela deu umas tossidas e pediu perdão. Então olhei para ela, hesitei, voltei a olhar para os números. "Leila, Leila... faça a sua boa ação do dia". Fechei os olhos lutando contra a minha consciência, e voltei a olhar para ela.

- A senhora vai para a feira? Mas não fica a alguns quarteirões daqui? - Perguntei para a Sra., contrariando qualquer vontade de ficar quieta. Ela me olhou sorridente, com aquele rosto todo enrugadinho.

- Vou sim minha filha, caminho até lá para pegar minhas verduras. - Ela tossiu novamente, pedindo desculpa mais uma vez.

- A senhora não aceita uma carona? Eu deixo a senhora lá, só não vou poder buscá-la, pois tenho um compromisso. - Aquela senhora miudinha me encarou, e colocou a mão em meu ombro.

- Eu agradeço muito minha filha, obrigada por ajudar essa pobre senhora. - Disse ela em um tom de agradecimento. Eu sorri e senti ternura por ela naquele momento.

Assim que o elevador chegou ao andar térreo, eu ajudei a Senhora. a sair do elevador com aquele carrinho. Ela deu bom dia para o porteiro mal educado, que não respondeu por que estava olhando uma pequena tv, que eu jurava que servia para o monitoramento das câmeras de segurança do prédio, mas estava enganada, aquele monte de estrume usava para assistir programas de TV. Bufei ao passar por ele, mas mesmo assim ele não tirava os olhos da pequena televisão. Busquei meu carro, e coloquei o carrinho da pequena Senhora no porta-malas, depois ajudei-a a colocar o cinto.

O dia estava ensolarado, mas ainda era frio. A pequena Senhora tossiu mais algumas vezes, então liguei o aquecedor para ela.

- Desculpe minha indelicadeza, mas como a Senhora se chama? - Terminei minha pergunta virando o ar para ela.

- Estela! - Disse ela sorrindo! - E o seu, meu anjo? - Ela voltou a tossir.

- Me chamo Leila! - respondi olhando parando em um semáforo.

- Lindo nome, nome de mulher forte! - Olhei para ela e agradeci, não sei pelo o que, mas agradeci.

- A senhora está bem? - Perguntei preocupada com tantas tossidas.

- Estou sim minha filha, é que quando muda o tempo, eu fico assim! Não se preocupe! - Sorri um sorriso sem vontade alguma, aquilo era estranho para uma senhora com aquela idade. O Sinal abriu e eu avancei.

Assim que chegamos à feira, parei com o carro e ajudei ela a descer e tirei seu carrinho do porta-malas.

- Muito obrigada Leila, Deus vai iluminar seu caminho! - Sorri para ela, mentalizando um "vai sim! Ele tem que iluminar", e vi ela se virando, indo em direção às bancas de verduras e frutas. Consultei meu relógio e tomei um choque! Estava atrasada para a minha audição.

A alguns meses tinha me inscrito para uma audição para uma das melhores escolas de ballet do Estado! Passei nas duas primeiras seleções, e agora faltava a terceira, que era uma demonstração para alguns jurados importantíssimos. Passando essa faze, eu estaria na academia de dança e poderia ser uma bailarina profissional. Entrei no carro e acelerei. Fui dar uma de boazinha e acabei me atrasando, só podia ser uma pegadinha da vida.

Assim que cheguei em frente à academia, respirei fundo e mentalizei um "Você vai conseguir garota". Peguei minha mochila e segui para a porta de entrada. Algumas moças saíram conversando e sorrindo, parecia que elas tiveram sorte! Entrei e me dirigi para uma senhora gorducha, que estava sentada em uma pequena mesa de recepção.

- Bom dia! Chamo-me Leila, vim para a audição de ballet! - Terminei a frase tentando parecer simpática, usando um sorriso ensaiado. Ela nem sequer me encarou.

- Você esta atrasada, não vai mais poder fazer o teste. - Fiquei estática. A encarei como se eu não tivesse entendido o que ela havia acabado de me dizer, ou simplesmente ignorado.

- A senhora não entendeu, eu me atrasei cinco minutos, talvez dez! Mas ainda tem gente ai dentro. - Insisti. Afinal, era a chance da minha vida. Ela, por sua vez, ainda não me encarava enquanto escrevia algumas palavras em uma folha de papel.

- Sinto muito querida, mas não posso te ajudar. Sua chance passou. - Respondeu ela, com um desdém. Eu senti como se uma fúria repentina crescesse dos meus pés até a ponta dos meus fios de cabelo. Então bati na mesa com muita força e me aproximei dela, agora ela me encarava, horrorizada, mas me encarava.

- Escuta aqui sua incompetente, eu lido com um igual a você todos os dias quando chego ao hall de entrada do meu prédio. E só vou te dizer uma coisa: Ou você me deixa entrar para a minha audição, ou você vai descobrir como é um par de sapatilhas descendo por essa sua garganta!

Assim que entrei na sala de audição, dei um bom dia doce para os jurados e me aqueci para minha apresentação.

Folhas de Outono. (Um romance lesbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora