Adeus Plié

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        Entrei no meu carro, tremi um pouco pra conseguir por a chave na ignição, liguei o carro mas antes de sair andando olhei automaticamente para a pensão, algo em mim esperava que Camila viesse correndo me salvar daquela vergonha toda, mas a única coisa que eu vi foi Andréa, me encarando fumegante na janela da sala. Voltei a sentir mais uma onda de vergonha, que fez meu rosto ficar quente, então eu sai andando com o carro, agora sem olhar para o lado.

         Eu não conseguia chorar, acho que a vergonha era tamanha que nem o meu "buraco negro" estava conseguindo me derrubar em lágrimas, mas me eu me conheço! Sei que depois que eu chegar em casa eu vou acabar chorando tudo isso!  Eu estava completamente confusa... "Leila você é louca, acabou de transar com uma garota que você mal conhece." Afinal, mesmo se eu a conhecesse muito bem, ainda sim é uma garota! Eu nunca fiz algo parecido, namorei na escola, coisa de colegial, garotos é claro, depois disso foi apenas o Denis, mas eu fui além de tudo o que eu sabia sobre mim mesma. Não era tempo de pensar nisso, eu fiz, foi bom e fim de papo! Mas agora outras perguntas martelavam a minha cabeça. Camila era lésbica? E se ela for expulsa pelas colegas? Por que ela não veio atras de mim? "Vamos Leila, pare com isso!"

        Depois que guardei o carro na garagem e passei pelo porteiro, o mais rápido que eu pude, ignorando qualquer chance dele me notar entrei no elevador! Foi ai que meu mundo começou a desmoronar como de costume, foi ai que meu "buraco negro" voltou a funcionar! Foi quando eu me vi sozinha dentro daquele elevador, que me lembrei da Sra. Estela, que lembrei de Pedro, que lembrei do meu pai! Algo dentro de mim novamente começou a morrer! Aquela vida toda que Camila colocou em mim foi sumindo... foi me deixando!

        Sai do elevador e assim que olhei aquele longo corredor, as portas numeradas, olhei primeiramente para o 112, apartamento da pequena senhora que estava hospitalizada, senti um frio em minha nuca, e depois encarei a porta do meu apartamento. Coloquei a chave na fechadura, hesitei, girei e abri.

        A casa estava com cheiro de café passado, isso comprovava que Pedro já tinha voltado de sua saída brusca. Tranquei a porta, e larguei a chave na mesinha perto da porta.

        - Pedro você esta ai?! - perguntei largando a minha bolsa, mas sabia que ele estava em casa. Era um modo de eu dizer um "oi" menos constrangida.

        - Na cozinha Leila, estou aqui. - Disse meu irmão com uma voz triste e arrastada. Eu fui até ele, que estava virado para o balcão da cozinha encarando o café que caia quente e lentamente pela cafeteira. Ele se virou, seu olhar era triste mas com toneladas de amor, amor de pai, mãe e irmão. O amor que eu já conhecia bem. Amor de Pedro.

        - Eu sinto muito o que aconteceu a nossa vizinha, o porteiro me contou, depois vi seu bilhete, mas quando eu fui te ligar tinha visto sua mensagem, então pensei em te dar um tempo! Venha aqui, me dê um abraço! - Ele estendeu seus braços, e aquilo era a gota que faltava para eu estourar. Assim que o abracei, eu chorei... chorei por tudo! Chorei pela humilhação que passei mais cedo em frente as garotas da pensão, o modo como a tal Andréa me olhava pela janela! Chorei por tudo! Pedro me sustentou em seus braços, e me segurou, apenas sussurrando que iria ficar tudo bem!

        Depois de um banho e me recompor sentei com ele e contei como tinha sido com ela no hospital, claro que não contei com quem passei a noite, apenas disse que tinha ido na casa de uma amiga, mas ele insistiu que eu tinha passado com Denis, resolvi não negar e nem concordar! Eu estava com aquela sensação de ter feito algo errado! Que a qualquer momento Pedro iria olhar para mim e dizer que eu passei a noite na casa de Camila e que dormimos juntas, que eu era lésbica e que eu tinha que sair de casa! Coisas da minha cabeça!

        Como eu tinha dito, Pedro tinha essa coisa de quando estar bravo se afastar de mim para não me machucar no calor do momento, depois ele voltava pronto a me proteger! Esse era ele, isso é o que ele sempre fez desde que eu respiro! Me senti mais segura com ele por perto! Eu sempre me sentia!

        Olhei para o meu celular esperando algum sinal de vida de Camila, alguma mensagem ou alguma chamada perdida nos recados de voz, mas nada... simplesmente ela tinha deixado eu sair de lá, e agora nem sinal de vida me dava. Mas por que eu estava preocupada com isso que é a minha pergunta. "Foi um experiencia Leila, ontem você estava frágil e vulnerável, só isso!" Pensava comigo mesma. Deitei em meu quarto e adormeci naquela tarde. Pedro foi para o trabalho, e eu adormeci.

        Acordei assustada, olhei pela janela e uma chuva grossa caia sobre o vidro da minha janela, o Inverno estava começando pior que o Outono frio que tinha passado. Já era noite. Me levantei e fui trancar a porta da sacada onde o vento e a água surravam o vidro. Olhei meu celular e tinha um numero "privado" nas chamadas perdidas. Fiquei aflita. "E se foi a Camila de um outro numero? Não Leila, por que você esta pensando isso? E se foi do hospital avisando alguma resposta da Sra. Estela?" Resolvi largar as perguntas de lado e esperar que me ligassem novamente. Consultei meu relógio, e Pedro já estava para chegar, eu precisava preparar a janta para ele, num modo de agradecer por me dar apoio hoje cedo. Coloquei uma musica que costumo dançar muito em meus ensaios no ballet, fui para a cozinha e comecei a preparar uma bela macarronada ao molho vermelho, prato favorito do meu irmão. Cortei as cebolas, os tomates, aqueci a água... o cheiro tomou o nosso apartamento e meu telefone tocou em cima da mesa. Numero Privado.

        - Alô! - disse eu rapidamente assim que atendi. Um voz feminina do outro lado da linha perguntou se era Leila quem falava, respondi que sim. Já ficando triste por não ser a Camila, coisa que na hora achei muito estranho, eu estava muito preocupada com aquela garota.

        - Aqui é Ana Bitencourt da Academia de Ballet, é sobre a sua vaga para a escola de Ballet do Estado, querida sinto em lhe informar que você não passou na seleção, mas agradecemos a sua participação e esperamos te ver nas próximas seleções! Não desista! Leila? Você ainda esta ai? Alô?

        Eu estava estática... muda com os olhos fixos no mesmo lugar!

Folhas de Outono. (Um romance lesbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora