Noite Fria

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        Dobrei a carta cuidadosamente, a coloquei no envelope, e fui até meu quarto. As palavras do meu pai ainda martelavam em minha cabeça, literalmente... minha cabeça parecia que iria explodir de dor. Agora eu estava solteira, meu namorado, ou melhor, EX-namorado me deixou na beira da estrada,  meu irmão estava furioso por que escondi algo muito delicado para ele, e meu pai estava querendo nos encontrar, e o melhor de tudo, foi as palavras de Pedro dizendo que não queria saber absolutamente nada a respeito do que estava escrito na carta.

        Deitei um momento em minha cama, quando me lembrei da minha audição de ballet, ainda tinha isso, eu não tinha recebido a resposta e já esperava pelo pior. Teria que arrumar um emprego qualquer até surgir outra oportunidade como esta! Olhei para o teto, pisquei duas vezes, uma lagrima escorreu no meu olho esquerdo... então adormeci!

        Não saberia explicar quanto tempo dormi, talvez quinze minutos, meia hora. Mas quando acordei, acordei assustada! Tinha esquecido da Sra. Estela, de avisar Pedro para ele ajudar a pobre senhora que eu prometi ajudar! Levantei, ainda tonta, e amarrei meus cabelos, me olhei no espelho do meu quarto, suspirei por ver duas olheiras enormes que já tinham se formado. Sai do apartamento, e fui em direção ao apartamento 112, onde a Sra. Estela morava. Bati na porta, toquei a campainha, mas nada dela atender, então me senti muito culpada. Fui a culpada por deixar uma senhora doente a ficar sem gás e ter que descer para falar com aquele porteiro incompetente. Desci pelo elevador, quando chego ao hall de entrada, vou até a mesa do porteiro que me tira do serio.

        - Boa noite! - digo bem seca - Por um acaso a Senhora do 112, esteve aqui para pedir pra você ligar o gás? - Ele me olha, como a maior má vontade, e balança a cabeça negativamente enquanto palita os dentes. Meu sangue subiu até o topo da cabeça, senti o calor nas orelhas. Me subiu uma vontade de meter um tapa na cara dele, mas dura como uma tábua, me viro e vou em direção ao elevador novamente. Volto para o corredor no 11° andar e tento novamente bater na porta da Senhora Estela, me sentindo mais culpada ainda, agora por fazer uma senhora levantar da cama, ou ser acordada. Vejo uma sombra por baixo da porta, e logo um miado.

        - Olá Sr. Ruffles! - Digo, automaticamente colocando a mão sobre o trinco da porta, e ela se abriu. "Por que não fiz isso antes?" Pensei comigo mesma, me pouparia a ida até o hall ver a cara daquele homem ridículo.

        Entrei, o gato passou se roçando em minhas pernas, me agachei e fiz um carinho entre suas orelhas. - Onde esta sua dona? - a sala estava iluminada e eu fui entrando. - Sra. Estela? Sou eu Leila, me desculpe por fazer a senhora esperar... Sra. Estela?

        Sabe quando você esta no inverno, aqueles invernos gelados que o vento frio corta a sua pele, e você só quer estar em um lugar quente e longe do vento? Então alguém, até pra pregar uma peça em você te dá um banho de água gelada! Um sensação de milhares de facas atravessando seu corpo no mesmo segundo! Foi essa mesma sensação que eu tive naquele momento. Ela estava deitada no chão, pálida e imóvel. Eu corri em sua direção e me ajoelhei ao lado dela, a chamando pelo nome, esperando que ela reagisse. - Sra. Estela, por favor, fale comigo. Acorde por favor! - Ela estava gelada, e eu logo pensei que estava morta. até que ela tossiu fraquinho...

        A ambulância demorou alguns minutos para chegar, a levaram e eu fui junto com ela, deixei um bilhete para Pedro, avisando o que tinha acontecido e pedindo que me ligasse assim que chegasse em casa, mas eu já sabia que era certo que eu chegaria em casa antes mesmo de Pedro chegar para ler o bilhete. Conheço meu irmão, quando ele esta chateado, ele some por um tempo e depois volta, me protegendo e me amando cada vez mais! Esse era Pedro, pra nao me machucar ele sumiu, pra voltar com mais proteção e de bom humor! Rapidamente, internaram ela e eu fiquei na sala de espera, uma hora depois, um médio miudo usando um oculos grande e desproporcional para seu rosto me chamou. 

        - Voce veio junto da Senhora Estela, certo? - concordei com a cabeça e ele continuou lendo uma planilha em suas mãos. - O estado dela é muito grave, devido a idade elevada, mas estamos fazendo o possivel, se puder chamar os parentes dela, precisamos da documentação e tambem confortalos do inevitavel. Sei que é dificil, mas estamos tentando fazer realmente o possivel para ela viver essa noite.

        Fiquei olhando para ele, e um flashback passou em minha cabeça. Eu era uma garota pequena de mãos dadas com Pedro, um pouco maior que eu, estavamos em um hospital, eu ainda lembro do cheiro, das enfermeiras vestidas de branco, lembro do vestidinho que eu usava, e as tranças em meu cabelo. Lembro de um médico, usando seu jaleco branco se aproximando. Lembro da minha tia falando com ele, então lembro dela chorando muito... vindo em nossa direção e dizendo "Vai ficar tudo bem meus anjos, a tia vai cuidar de voces" E lembro de nunca mais ter visto a minha mãe depois disso.

        - Ela deixou um recado, pude ouvir ainda fraco. - Disse ele olhando para mim. Recobrei os sentidos. - Qual recado ela deixou? - disse passando as mãos sobre o rosto.

        - Cuide do Sr. Ruffles para mim. Deve ser algum animal de estimação, você deve saber do que se trata, não? - Balancei a cabeça, concordando.

...

        Camila abriu a porta da casa dela, assim que eu cheguei de carro. Sabia mais ou menos onde era, por que ela me confirmou que foi perto do acidente, liguei para ela e disse que precisava conversar. Ja passava da meia noite. Eu estava parada na entrada da porta com o Sr. Ruffles em meus braços, olhei para ela e desabei, eu chorava e meus soluços eram fortes. Ela veio em nossa direção e nos abraçou, eu e o gatinho.

        - Vai ficar tudo bem! Eu vou cuidar de voces! - ficamos ali por alguns minutos, no frio da madrugada!

Folhas de Outono. (Um romance lesbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora