Capítulo LVIII - MALU

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O plano de tirá-la do hospital falhou.


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Esse capacete era a pior coisa que eu já tivera o desprazer de usar. Ou pelo menos, era a pior coisa que eu me lembrava de ter usado, já que tudo o que aconteceu há mais de quatro meses não existia mais nas minhas lembranças.

Enquanto o doutor digitava compulsivamente em seu computador, o Bruno e a Flávia se olhavam de forma esquisita. Eu não estava entendendo nada, mas pelas suas expressões, acho que eu não iria embora desse lugar tão cedo.

Ele parou de digitar quando seu telefone tocou. Após algumas poucas palavras, ele desligou o telefone e nos encarou.

– Vamos lá. O futuro nos aguarda – disse.

Sem dizer nada, seguimos o médico até uma outra sala que eu nunca tinha visto antes. Ela era ampla e tinha um vidro dividindo ela, com cadeiras dos dois lados. Como ela estava vazia, sentamo-nos em umas das cadeiras e aguardamos alguns minutos, antes de a porta ser aberta novamente para a entrada de várias pessoas.

Liderando o grupo, uma mulher de cabelos curtíssimos pretos e um olhar gélido cumprimentou o doutor esquisito. Logo atrás dela, dois homens e uma mulher usando jalecos sentaram-se também, encarando-nos como se fôssemos aberrações.

– Essas são as cobaias – disse a mulher de cabelos curtos, apontando para nós três. – São da segunda geração, como eu já expliquei antes. Mas vou deixar as explicações para o doutor Peixoto.

Era a primeira vez que eu via o doutor ansioso. Seja lá o que fosse isso, era algo muito importante para eles.

Ele começou um falatório sobre mutação genética, alteração de DNA e cromossomos, assuntos totalmente desconhecidos para mim. Enquanto ele falava o que, para mim era praticamente grego, o grupo de cientistas fazia anotações e escutava atentamente. O Bruno comia a pelinha de uma das unhas, enquanto a Flávia bocejava constantemente.

Após um longo discurso, um dos cientistas levantou-se animado.

– Esse experimento nos interessa muitíssimo – disse à mulher de cabelos curtos. - Conversaremos com o jurídico imediatamente para resolvermos toda a parte burocrática.

– Assumiremos o experimento o mais rápido possível – completou a única mulher do grupo.

Neste instante, vi a mulher de cabelos curtos vacilar por um instante, enquanto o semblante do doutor demonstrava a mais pura incredulidade.

– Assumir o experimento? Do que vocês estão falando? – indagou.

Um clima muito tenso tomou conta da sala. Estava claro que o grupo combinara algo com a mulher de cabelos curtos sem o conhecimentos do doutor. Alguns encaravam o chão, outros roíam as unhas e o doutor insistia em sua pergunta.

– Não vão me responder? Do quê estão falando?

Estava na cara que ele já tinha entendido tudo. Até eu tinha entendido o que aquilo significava, e olha que eu não sou o cúmulo da esperteza. Acho que ele só queria ouvir aquilo da boca da mulher.

– Eu fiz uma pergunta, Vera – insistiu.

A mulher respirou fundo e pediu ao grupo de cientistas que lhe esperasse em sua sala. Assim que saíram, ela voltou-se para ele.

– Como se você tivesse moral para me cobrar alguma coisa, Mauro! – começou, irritada. – Desde que essa droga de experimento começou você tem se mostrado um incompetente de marca maior. Tudo o que você faz é postergar e vir com desculpas esfarrapadas. Mais de um ano esperando essa droga de terceira geração e nada! Primeiro, deixou que uma das cobaias escapasse, depois, quando a cobaia voltou para o hospital por vontade própria, deixou que escapasse novamente e, dessa vez, levando outra cobaia junto com ela. Oito meses depois, quando conseguimos recuperar toda a segunda geração, você fica me enrolando por quatro longos meses, atendendo aos caprichos de três adolescentes!

– Isso não te dá o direito de tirar isso de mim! – vociferou, externando toda a sua frustração. – Esse experimento é a minha vida e você sabe disso.

– Acho que passou da hora de você levar esse experimento a sério – disse, autoritária. – Quantas milhões de vezes eu te avisei que isso ia acabar acontecendo?

O tédio que antes tomou conta de nós três já tinha sido substituído pelo interesse nessa briga épica. O Bruno não piscava, enquanto a Flávia mal conseguia manter a boca fechada.

– Você fez eu oferecer o experimento da minha vida em uma bandeja para esse bando de abutres! – exclamou, com os olhos injetados de tanta raiva. – Eu não acredito que confiei em você.

– O que você queria que eu fizesse? – respondeu, sem abaixar o tom de voz. – Que eu deixasse você jogar fora o investimento de anos? Você deixou claro que não sabe separar o pessoal do profissional. Só porque essa garota se parece com...

– Não ouse tocar no nome dela! – interrompeu com um grito, erguendo o dedo a altura do rosto da mulher.

Sem responder nada, ela virou as costas e seguiu até a porta. Antes de sair, virou-se para o doutor e disse com a voz calma.

– Eu não estou feliz em fazer isso, mas medidas drásticas às vezes são necessárias. Você não será retirado do experimento, Mauro. Apenas não será mais o responsável.

– O que, no fundo, quer dizer a mesma coisa – respondeu, de cabeça baixa.

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Mais uma reviravolta na história! É agora que o pau pega e não alivia.

Beijo e até amanhã



As Últimas Cobaias - Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora