Capítulo 9

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Fiz uma promessa à minha bisavó, e apesar de também não gostar de mentir e ter mentido, para mim, quebrar uma promessa revela falta de carácter. Quem quebra uma promessa não é nada, não é ninguém. E eu não pretendo quebrar esta, nem nenhuma outra promessa. Especialmente quando estamos a falar da minha bisavó.

Há cinco dias que ando a seguir, cuidadosamente, o Salvador. Está a ser muito difícil. É difícil segui-lo sem que ele ou qualquer outra pessoa se aperceba de que o estou a fazer. É difícil segui-lo quando tenho trabalho na enfermaria a fazer, mesmo agora que somos três a trabalhar lá. É difícil segui-lo quando passa o dia inteiro de um lado para o outro da nave a entregar mensagens. E é especialmente difícil segui-lo quando vai para zonas da nave que não tenho permissão para entrar.

Sim, é verdade. Não posso subir ao piso superior. Não posso entrar nem nos laboratórios (por enquanto, pelo menos, porque se progredir na minha carreira poderei visitar muitas vezes o laboratório de saúde), nem nos gabinetes de tomada de decisão e de controlo da nave.

Não é que seja proibido o acesso ao andar superior da nave, é só que se todos nós andássemos de um lado para o outro num piso onde se tomam decisões tão importantes e onde se fazem pesquisas e experiências, iriamos estar só a atrapalhar e a comprometer o silêncio necessário neste tipo de trabalhos.

No entanto, não me parece que isso seja um problema. Eu acho que seja o que for o que o Salvador esteja a esconder, nada tem a ver com o piso superior. Duvido que alguém do piso superior da nave saiba que ele roubou ou que anda a roubar medicamentos da enfermaria (sim, porque nada me garante que ele o tenha feito apenas daquela vez).

Apesar de todas essas dificuldades tenho dedicado todo o meu tempo livre a segui-lo. Muitas vezes, arranjo até desculpas e consigo escapulir-me da enfermaria durante algumas horas. Mas até agora não deu em nada. Por isso, ou eu ando a segui-lo nas alturas erradas, ou ele consegue ser mesmo muito discreto. Ou, então, ele não anda a fazer nada de mal, e eu é que ando a fazer filmes na minha cabeça.

Talvez ele tivesse mesmo só a fazer um recado ao 1º Comandante, penso. Mas por alguma razão não me consigo convencer disso. Posso estar a ser paranoica, louca até, mas não vou desistir agora. Se o Salvador não estiver a esconder nada, muito bem, mas se ele estiver, eu vou descobri-lo.

Está na altura de mudar de estratégia e enfrentá-lo cara-a-cara.



‒ Para quê?

‒ Não te posso dizer. Faz apenas aquilo que eu te peço. Pela nossa amizade... ‒ suplico à Analu.

Não queria estar a envolve-la nisto. Ainda para mais, não podendo revelar-lhe a verdade por detrás deste meu pedido tão estranho. Mas já é tarde de mais para voltar atrás.

‒ A ver se eu percebi bem. Tu queres que eu invente uma mensagem qualquer para fazer o Salvador ir entregá-la a ti?! Porque é que não vais falar diretamente com ele, se é isso que queres?

‒ Eu não quero que ele saiba que eu quero falar com ele, quero que ele pense que foi por acaso. É que.... É complicado...

‒ Nem quero saber aonde andas metida. Nestes últimos dias tens andando muito ausente e quando estás presente andas muito distraída. Parece que o teu corpo está na nave, mas a tua cabeça anda a vaguear pelo espaço! Por isso, se ao fazer este favor, a Aurora que eu conheço voltar para aqui para ao pé de mim, por inteiro, podes contar comigo. Eu faço-o.

‒ Obrigada, Analu ‒ agradeço-lhe envolvendo os meus braços fortemente envolta dela. Agarro-me tanto a ela como à esperança de que isto funcione.

AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora