Querido diário, consegui! Demorei cerca de seis meses, mas consegui!
A teoria do Elias é, simplesmente, genial! É tudo o que sempre quisemos. Uma nova vida, num novo planeta. E agora tenho dados suficientes para poder afirmar que a teoria tem uma probabilidade de 95% de estar correta.
O meu marido era um excelente biólogo, mas nunca se contentou em ter um curso apenas. Tirou química, física, geologia, e só não tirou mais, porque... não teve tempo para isso.
Acontece que eu não tenho a sede de conhecimentos científicos que ele tinha. Nunca tive. Não obstante, a minha organização, concentração e espírito crítico fizeram-me chegar longe na carreira da física. Isso e uma estranha particularidade que tenho: identificar, reconhecer e interpretar rapidamente padrões que passam despercebidos à maior parte da população. E a estrutura física e química do Universo é isso mesmo! Um enorme aglomerado de padrões lógicos relacionados ou não entre si. Foi dessa mesma constatação que surgiram as constelações. E era esse mesmo olhar analítico e matemático que faltava na teoria do Elias.
Durante este tempo também me tenho andado a perguntar o motivo pelo qual o Elias manteve esta teoria em segredo. Quer dizer, porque é que não me disse nada? É uma teoria complexa e exigente. Ele deve ter demorado anos para a conseguir deixar no ponto em que eu a encontrei. Facilitou-me muito o trabalho, mas deixou-me a pensar que havia um grande segredo entre nós, sabe-se lá desde quando.
O Elias passou os seus três últimos anos de vida em permanentes altos e baixos. E, durante esse tempo, nunca esteve a 100%. Quando o nosso filho nasceu, ele deixou a ciência, a carreira, os estudos, tudo numa prateleira bem lá no fundo do armário, inacessível para todos, mas, principalmente, para ele próprio. Ele dizia que mais nada fazia sentido, a não ser a sua pequena família perfeita. E que se não podia tornar o mundo de todas as outras pessoas melhor, pelo menos ia fazer de tudo para que o mundo de nós os três o fosse. E ele conseguiu, sem dúvida. Mesmo nos dias em que estava de cama, ligado a inúmeras máquinas, praticamente inconsciente no nosso quarto, inacreditavelmente, ele arranjava as forças necessárias só para nos ver sorrir.
Por isso, eu sei que ele desenvolveu a teoria muito antes desse tempo. Talvez até antes de descobrir que todos os seus órgãos tinham decidido lutar contra ele, e deixarem, lentamente e progressivamente de funcionar. Na altura em que recebemos o diagnóstico já sabíamos de que doença se tratava. É a doença do século XXII. Devido à temperatura elevada e à falta de oxigénio as células do nosso corpo começam a degenerar-se e a não conseguirem multiplicar-se em número suficiente para garantir o total bom funcionamento do nosso corpo. Mais tarde ou mais cedo todos nós passamos por essa doença. E o tempo que demoramos até lá chegar só depende do nosso sistema imunitário e do nosso idiossincrático e ainda enigmático ADN. Ou seja, estamos dependentes da sorte.
Independentemente da altura em que o Elias se dedicou ao desenvolvimento desta teoria, acho que sei porque não me contou nada.
O meu pai era um idealista, que tal como o meu marido, também acreditava na salvação da humanidade. Desenvolveu três teorias que supostamente iriam ser a resolução de todos os nossos problemas. Com cada nova teoria, que ele relatava a mim e à minha mãe, uma enorme euforia e esperança preenchiam os nossos corações. Mas, rapidamente, esses sentimentos eram substituídos por uma enorme desilusão, preenchendo o tudo com o nada. Ficava apenas a sensação de um vazio.
O Elias sabia disso. Sabia o quanto eu sofria com essas falsas esperanças. Talvez por eu não ser idealista, ou, pelo menos, não tanto quanto eles. Sempre os invejei por isso, por não desistirem. Por não esmorecerem a cada novo obstáculo. Por acreditarem e lutarem pelos impossíveis.
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Aurora
Science Fiction"Eu queria poder dizer-te que serás amada, muito bem cuidada e protegida, mas não te posso mentir. Este mundo onde vivemos já está cheio de realidades ocultas e a verdade parece-me, cada vez mais, um bem demasiado precioso para não o valorizarmos. ...