Não estava à espera de não o encontrar no gabinete.
Não conheço o piso superior da nave. Não sei onde é o quarto dele e nem sequer sei se é lá que costuma estar a estas horas. E o pior é que pareço ter chegado a um beco sem saída. À minha esquerda tenho a porta que dá acesso ao gabinete do 2º comandante e de frente para esta tenho a que dá acesso à sala de reuniões da equipa de navegação. Pelo menos, é isso que indicam as placas que estão adjacentes às portas. No fim do corredor só se encontra o "gabinete de controlo da nave", consigo ler as letras após algum esforço.
Ele pode estar em qualquer um destes três lugares, ou mesmo em nenhum. Não tenho como saber.
Das duas, uma. Ou volto para trás e desisto desta ideia mirabolante, ou continuo em frente e quem sabe não dê de caras com o monstro que procuro. Toda a gente sabe que os monstros não se procuram, evitam-se. Ulisses, à primeira oportunidade, tentou escapar-se deles, mas acabou por perceber que se não os enfrentarmos, eles não desaparecem simplesmente, vão continuar a causar estragos.
Esta é a minha batalha, não posso voltar costas ao inimigo, o problema é que não tenho nenhum cavalo de Troia.
Avanço decidida na antecipação da confrontação por que tanto aguardo. Mesmo que desarmada, tenho algo a meu favor. Ele não está à espera de me ver aqui.
Entreolho pela frecha da porta e consigo ver um vulto sentado numa grande mesa central. Não sei se é ele. Mas pode ser, não pode?
Tento fazer o mínimo de barulho ao empurrar a porta de metal.
Estaco com o cenário que encontro à minha frente. As estrelas fitam-me de forma desafiadora do outro lado da parede invisível que contorna um grande painel de navegação. A luz que elas emanam trava uma batalha desequilibrada com as luzes artificiais que saem disparadas de inúmeros botões estagnados no painel. Sinto vontade de me aproximar e perceber qual o intuito de cada um deles. Mas é uma vontade repentina. Uma vontade que esmorece quando o meu olhar descai novamente sobre o único ser que habita este espaço que transpira de poder.
O homem de cabelos negros com ocasionais reflexos brancos debruça-se atentamente sobre o tampo da mesa, onde repousam os seus antebraços morenos. Duas grossas e imponentes linhas perpendiculares à borda fina do metal reluzente. Não preciso de lhe ver o rosto, para saber que é ele.
Pé ante pé, encurto a distância que nos separa. Quase não respiro para que nenhum som o alerte da minha presença. Porém, temo que o bater acelerado do meu coração me denuncie. O meu sangue grita por oxigénio que me recuso a entregar-lhe.
Paro. Bastaria esticar os braços e pressionar com força as minhas mãos contra a sua traqueia para impedir a passagem do ar. Asfixiaria numa questão de minutos, não sem antes dar luta, claro. Iria bracejar, contorcer-se, lutar pela sua vida como se ela valesse grande coisa. Terá um monstro direito a isso depois de todo o mal que já causou a tantas pessoas?
Morreria entre as minhas mãos, se eu tivesse força suficiente para isso. A força física, aliada ao fator surpresa, talvez fosse a suficiente. Mas e a força psicológica? Será que matá-lo mitigaria o vazio que sinto dentro de mim, ou apenas serviria para o alastrar de uma forma irremediável?
Acho que sei a resposta a essas perguntas, não que isso torne as coisas mais fáceis. Suspiro exasperada e deixo cair os braços, que poderiam ser a minha única arma.
O 1º Comandante ergue-se num sobressalto, fazendo a cadeira fixa ao chão vibrar apenas ligeiramente com o movimento repentino.
− O que...? – Os seus olhos perscrutam-me confusos. A sua boca permanece aberta, mas parece incapaz de produzir qualquer som.
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Aurora
Science Fiction"Eu queria poder dizer-te que serás amada, muito bem cuidada e protegida, mas não te posso mentir. Este mundo onde vivemos já está cheio de realidades ocultas e a verdade parece-me, cada vez mais, um bem demasiado precioso para não o valorizarmos. ...