Capítulo 29

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Releio pela quinta vez essa primeira passagem do seu diário.

Continuo arrepiada e uma lágrima insiste sempre em correr-me pelo rosto quando leio as últimas palavras, da minha bisavó, dirigidas ao amor da sua vida, o bisavô que nunca conheci.

A minha bisavó falava-me muitas vezes dele. Nunca me tinha contado como é que se conheceram, mas dizia-me sempre que ele era o homem mais inteligente e bondoso que tinha alguma vez habitado o planeta Terra. Que se tinha tornado cientista por causa dele, pela forma como ele falava do poder e da força da investigação científica no nosso dia-a-dia, como se a ciência pudesse resolver todos os problemas do Universo. Ela acreditava mais na força dele, do que na da ciência, mas resolveu experimentar e não se arrependeu. Assim, desde o meu trisavô até ao meu pai, todos enveredaram pelo caminho da investigação científica. Só eu é que fugi desse trilho.

− Aurora − a voz da Ângela a chamar pelo meu nome desperta-me e traz-me de volta para o presente. Limpo disfarçadamente o rasto da lágrima que ainda caminhava pelo meu rosto e viro-me para ela.

− O que foi? – pergunto-lhe.

− Não devias de estar na reunião semanal?

− Tem toda a razão! – grito desesperada, juntando apressadamente o diário que estava a ler da minha bisavó aos restantes. – Esqueci-me completamente disso.

Quando estava a vir para a sala secreta ainda faltavam alguns minutos para a reunião semanal, tinha decidido que tinha mais do que tempo para dar uma espreitadela a um dos diários. O problema é que não tinha sido apenas uma espreitadela, pois não? Fiquei tão absorvida pelas palavras da minha bisavó, que não faço a mínima ideia de quanto tempo passou.

Olho para os diários e para a Ângela, alternadamente.

− Não te preocupes, eu tomo conta deles. Podes ir descansada − diz-me a Ângela ao perceber a minha luta em deixar os diários para trás.

− Obrigado, Ângela.

Corro para fora da sala sem perder nem mais um segundo.

E se a reunião semanal já tiver começado? Pior, e se já tiver terminado?

Somos uma comunidade pequena. Todos se conhecem uns aos outros. Para além de que depois do que fiz na última reunião semanal e da pequena reunião secreta que tive com o 1º Comandante, pelo menos o líder da nossa comunidade vai dar pela minha falta. E isso não é nada bom!

Ao subir as escadas ouço a voz do 1º Comandante abafada pela porta que separa a grande sala central do corredor em que me encontro. Confirma-se, estou mesmo atrasada. E agora?

Só tenho duas hipóteses, penso ao aproximar-me da porta. Ou entro como se nada fosse e percorro todos os olhares que decerto vão cair em mim, sem nada dizer. Ou arranjo uma desculpa esfarrapada para o meu atraso.

Pensando bem até existe uma terceira hipótese. Posso simplesmente esperar que a reunião acabe e depois só terei que me justificar ao 1º Comandante. Eu e ele, mais uma vez, a sós. Nem pensar, decido abrindo a porta de par em par.

Eu sabia que todos os presentes iriam fixar-se em mim assim que eu entrasse. Só não sabia que me iria sentir tão desconfortável com a situação. Se eu pudesse, neste momento, enfiava-me dentro de um buraco. Mas não posso. Agora é tarde de mais. Tenho que enfrentar as possíveis consequências do meu erro, da minha irresponsabilidade.

Olho para o Salvador antes de dizer alguma coisa em minha defesa. Até porque não dizer nada, já não me parece ser de todo possível. Olho para ele para tentar, talvez, ganhar a coragem que ele parece sempre sentir com tanta facilidade. Ou talvez para ver se ele tem algum conselho sussurrado para me dar neste momento. Eu bem que estou a precisar de um!

AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora