Capítulo 11

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Acordei bem cedo, para garantir que todos os corredores estivessem vazios, e dirigi-me à grande sala central onde se encontra o botão para requisitar os serviços do mensageiro.

Nunca precisei de enviar uma mensagem a ninguém através de uma outra pessoa. Sempre que tenho algo a dizer a alguém prefiro dizê-lo cara-a-cara. Além disso, este serviço é, normalmente, usado para emergências e trocas de bens e materiais. Por isso, vai ser a primeira vez que vou carregar neste botão. Só espero que ele esteja a dormir, e seja eu a tirá-lo do seu lindo sono de beleza. Ele merece isso, e muito mais!

‒ Tu?! ‒ oiço apenas um minuto depois de ter carregado no botão.

Viro-me e deparo-me com o Salvador à entrada, apenas com umas calças pretas largas vestidas. Não acredito que ele tenha vindo de tronco nu! Ele leva realmente o seu trabalho muito a sério. Pelo menos isso significa que ele estava a dormir, e fui eu que o acordei.

‒ Não podias pelo menos ter vestido qualquer coisa? ‒ pergunto desviando os olhos do seu tronco desnudo.

Mas a imagem dos seus músculos salientes, perfeitamente delineados, não me sai da cabeça. Até que ele é bem-parecido, penso. Sim, Aurora, se ele não fosse um ladrão e um mentiroso compulsivo, contra-argumento rapidamente, afastando eficazmente ambos, a imagem e aquele pensamento descabido, da cabeça.

‒ O que é que queres agora? ‒ questiona o Salvador, ignorando claramente o meu comentário. Sinto-o a avançar na minha direção, mas não tenho coragem de o fitar, sabendo que ele está naqueles preparos.

‒ És o mensageiro, não és? Pois bem, tenho uma mensagem que quero entregar a alguém ‒ anuncio decidida. Ganho coragem e subo os meus olhos até ao nível dos dele. Vejo-o pestanejar confuso, mas nada diz, por isso continuo, ‒ Quero que digas ao 1º Comandante o seguinte: "O Salvador Dias, o nosso único e confiável mensageiro, anda a roubar medicamentos da comunidade para se drogar." O que é que achas que ele vai achar disto?

‒ Estás a gozar, certo?! De onde é que foste tirar essa ideia absurda?

‒ Será? Será assim tão absurda? Pois bem ‒ começo, andando de um lado para o outro da sala, ‒ Como é que explicas o sistema dizer que fizeste check-ups nos últimos três meses, se sou eu a suposta enfermeira que esteve responsável por isso nesse período de tempo, e eu nunca te vi lá. Não puseste lá os pés uma única vez, pelo menos não quando estava lá alguém a trabalhar, porque ambos sabemos que foste tu que criaste aqueles registos falsos.

"A questão era apenas montar duas peças que aparentemente não tinham qualquer relação. Mas eu pensei...e pensei... e pensei, e cheguei à única conclusão possível: tu andas a roubar medicamentos, que por acaso em doses excessivas levam a pessoa a ficar mais energética, rápida e mais forte fisicamente, ‒ enumero distendendo três dos meus dedos da mão direita à vez, ‒ que são características que a um mensageiro dão imenso jeito, não é verdade? Nem vale a pena negar ‒ digo rapidamente, evitando qualquer resposta por parte dele. ‒ Agora, faz todo o sentido. É por isso que não queres ir fazer check-ups, porque sabes que nós detetávamos qualquer substância em excesso que estivesse no teu organismo."

‒ Se é isso que pensas... ‒ refere simplesmente, passando a mão pelo seu cabelo curto, que se encontra ligeiramente despenteado.

Porque é que ele está tão calmo? Acabei de o desmascarar e é assim que ele reage? Não faz sentido, eu tinha tanta certeza... E, agora, com apenas cinco palavras ele consegue desabar toda a confiança que eu julgava ter.

‒ Não tens medo que vá contar ao 1º Comandante o que descobri? ‒ arremesso. Já estou desesperada. Nunca me senti tão fracassada, tão impotente.

‒ Eu sei que não o vais fazer.

Lá está ele com aquela calma toda que tanto me enerva. Eu aqui a sentir-me irritada, desesperada, frustrada. E ele ali, completamente sereno, como se não estivesse a experienciar qualquer emoção. Distante e frio como sempre.

‒ O que é que te faz ter assim tanta certeza?

‒ Se o fosses fazer, não me tinhas chamado. Se tivesses assim tanta a certeza naquilo que dizes, não estavas aqui a falar comigo, mas sim com ele. No entanto, aqui estás tu ‒ conclui confiante, fitando-me intensamente como se conseguisse ver todos os meus pensamentos, como se me conseguisse ver a alma. ‒ Admite de uma vez por todas que nunca quiseste fazer nada contra mim. És demasiado curiosa e teimosa para desistires assim. Não vais dizer nada a ninguém, porque isso significaria que nunca irias ficar a saber a verdade.

Vejo-o afastar-se de mim em direção ao corredor dos quartos dos rapazes.

Como é que ele o conseguiu outra vez? Voltei à estaca zero e o pior é que ele tem razão. Parece que devo ser transparente ou trazer uma placa na testa a dizer todos os meus defeitos e qualidades. Só pode! Como é que ele me conhece tão bem? Parece que entrei num jogo viciado, onde sou eu que estou claramente em desvantagem.

AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora