Capítulo 34

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Ontem não foi um dia bom. No entanto, talvez tenha dramatizado um pouco.

Depois de uma boa noite de sono, a névoa que envolvia toda a minha mente dissipou-se um pouco. Nada me garante que o Salvador goste sequer de mim da forma como eu gosto dele. Tudo bem que ontem senti que talvez estivéssemos no mesmo comprimento de onda, mas pode ter sido apenas um momento movido por toda a tensão por que tínhamos passado juntos. A minha avó não estava errada, eu ainda vou a tempo de evitar sofrer demasiado com toda a situação. Para todos os efeitos, o Salvador nunca disse, nem fez nada que me levasse a pensar que retribuía aquilo que eu sinto por ele.

Então a solução é fácil. Eu vou apenas continuar, normalmente, como se nada fosse, até que os sentimentos se desvaneçam com o tempo. Não vou procurar o toque dele, o cheiro dele...Vou continuar a querer estar com ele, mas não tão próxima fisicamente que arrisque a alimentar ainda mais os sentimentos que nutro pelo Salvador.

− O que é que ele está aqui a fazer? – sussurro ao entrar na enfermaria. O Leandro está a dormir profundamente, tem umas ligaduras à volta do abdómen e a cara dele já está em muito melhor estado.

− Bom dia, para ti também − diz secamente a Maria. O que é que lhe deu? Onde está a Maria amigável e doce que eu conheço?

− Eu decidi deixá-lo aqui a descansar − responde a Teresa que está sentada de frente para o computador.

− Mas ele está assim tão mal? – pergunto, sentindo-me, inexplicavelmente, culpada. Não é que tenha sido eu a agredi-lo, mas foi por minha causa. E isso não vai dar ao mesmo?

− Não te preocupes, meu anjo. Ele está ótimo! Não foi nada demais. Só ordenei que ele passasse a noite aqui para arrefecer a cabeça. Ontem, não parava de falar em vingança. Hoje, quando acordar e todas aquelas hormonas libertadas pelo confronto tiverem desaparecido, ele vai esquecer essa história maluca de vingança.

Claro, era óbvio que o Leandro não iria deixar as coisas ficarem assim. Ele agora ficou com a sua imagem de indestrutível manchada. Ele nunca vai perdoar, nem esquecer o que o Salvador lhe fez. Foi a pior humilhação por que ele poderia passar. Quando acordar até pode não voltar a falar de vingança, mas essa ideia vai continuar, eternamente, na sua mente até se sentir vingado.

Estremeço só de pensar. Eu sei que, fisicamente, o Leandro não tem hipóteses contra o Salvador. O problema é que essa não é única forma de ele o atacar.



− Vou ao laboratório, já volto − comunica a Teresa ao sair pela porta, deixando-me a mim e à Maria sozinhas na enfermaria.

O Leandro já foi. Acordou alguns minutos depois de eu chegar e nem sequer me dirigiu a palavra. Eu segui-lhe o exemplo, é claro. A última coisa que quero neste momento é falar com ele ou com o amiguinho dele.

Aproveito para atualizar alguns documentos no computador, visto que com a nova regra dos check-ups trimestrais, não me parece que venha aqui alguém hoje. O que é mesmo o que eu preciso. Não estou com cabeça para aguentar olhares acusatórios ou, pior, que me façam perguntas sobre uma coisa que eu quero é esquecer.

− Juro que não percebo − reclama a Maria. Está em pé do outro lado da secretária com o tablet na mão. Os seus olhos, fixos em mim, fulminam de raiva. – Como é que consegues estar aí, impávida e serena, depois do que fizeste? Não te pesa a consciência?

− Como?! A mim?!

− Não te faças de sonsa! Sabes, o Leandro ontem veio todo o caminho do refeitório até à enfermaria a queixar-se de dores. Ele mal se aguentava em pé! E tudo por tua culpa!

AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora