Esta noite pouco consegui dormir. Sentia ainda, muito vivas, dentro de mim, todas as emoções que a recordação da morte da minha bisavó me trouxe.
Não sei bem porque reagi daquela forma ontem. Pensava que tinha ultrapassado a morte da minha bisavó, mas, por alguma razão, ontem não estava emocionalmente preparada para a recordar.
Estou tentada a deitar-me na cama, para tentar repor as minhas energias. Isto de ficar aqui à espera do Matias, sem saber quanto tempo é que ele vai demorar, está a dar comigo em doida. Nem sequer sei se ele vem! Talvez não tenha coragem suficiente para roubar os produtos de higiene que lhe pedi ou até para entrar no meu quarto.
Decido recostar-me na cama, um pouco, enquanto espero por ele.
Estou quase a adormecer, quando ouço alguém bater à porta do meu quarto. Finalmente chegou, penso.
Levanto-me da cama, num salto, e dirijo-me à porta do quarto.
− Tu?! – pergunto boquiaberta quando vejo o Salvador do outro lado da porta. – O que estás aqui a fazer? Aconteceu alguma coisa?
Inúmeros pensamentos alarmantes passam-me pela cabeça.
Talvez alguém tenha descoberto a sala secreta. Talvez alguém da sala secreta tenha ficado muito doente e precise de mim. Pior, talvez alguém da sala secreta tenha ficado gravemente ferido, não resistiu e...
− Não é óbvio?! Não pensavas mesmo que eu te ia deixar aqui sozinha com o Matias, pois não? – questiona o Salvador fechando a porta atrás de si. O teto do meu quarto inclinado obriga-o a ficar junto à porta. Mais alguns passos e teria de adotar uma posição desconfortável.
Eu e o Salvador sozinhos no meu quarto.
Começo a sentir formigueiros por todo o corpo. A ideia de eu ficar sozinha com um rapaz no quarto não me assusta, mas o Salvador é uma história completamente diferente.
A sua presença aqui faz com que eu não saiba o que dizer ou fazer. Sinto-me paralisada.
− Eu vim proteger-te – acrescenta, olhando-me com uma intensidade tal, que faz com que sinta todo o meu corpo a entrar em ebulição, com que o meu estômago e coração comecem aos pulos e com que perca as forças das pernas, que já quase não conseguem suster o meu peso.
− Eu... eu não preciso de proteção – respondo-lhe, tentando recuperar o foco, que é uma coisa extremamente difícil neste momento, para não dizer quase impossível. Concentro-me no chão do quarto. Não posso olhar para ele, senão não consigo dizer nada de jeito. – Além disso, o que é que vais fazer? Esconder-te atrás do armário para que ele não te veja?!
− Excelente ideia – responde convicto, depois de analisar rapidamente a dimensão do único armário do quarto.
Também lanço um olhar, rapidamente, ao armário que se encontra encostado a uma das paredes que é perpendicular àquela em que se encontra a porta. De facto, não é muito grande em altura, mas é grande o suficiente em largura. Se o Salvador se colocar detrás de um dos lados do armário, o que fica mais afastado da porta, agachado, consegue passar facilmente despercebido.
Não acredito que estou sequer a considerar a questão!
É um absurdo! Um disparate completo!
No entanto, confesso que a ideia de ter o Salvador a olhar por mim, pelo meu bem e segurança, é um pouco tentadora.
Não, Aurora, penso, tu não precisas de um guarda-costas.
Já sou suficientemente grandinha para saber tomar conta de mim própria.
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Aurora
Science Fiction"Eu queria poder dizer-te que serás amada, muito bem cuidada e protegida, mas não te posso mentir. Este mundo onde vivemos já está cheio de realidades ocultas e a verdade parece-me, cada vez mais, um bem demasiado precioso para não o valorizarmos. ...