Capítulo 28

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Sigo com o olhar o meu avô, que se mantém em silêncio, enquanto caminha até o armário baixo de madeira do seu quarto.

Vejo-o tirar um fio do pescoço, o qual nunca antes tinha reparado. Que se mantivera oculto de todos os olhares, tapado pelos tecidos das roupas que o meu avô envergara.

Ele agarra no pendente do fio, que tem a forma de uma chave, agacha-se junto ao armário e, com ele, abre a última gaveta deste. De lá de dentro, retira alguns livros. Cinco, consigo contar.

Depois de voltar a fechar a gaveta, volta a sentar-se do meu lado, pousando os livros mesmo à minha frente.

− Aqui, − refere, pousando a mão no topo da pilha de livros, que se torna mais estável com o seu toque, − vais conseguir perceber melhor... tudo.

Limito-me a olhar para eles. Com receio de lhes tocar. De desequilibrar aquilo que aparenta estar minimamente estável. Serei eu a mesma depois de os ler? Perscruto os olhos do meu avô à procura de uma resposta para essa mesma pergunta. A única coisa que vejo é o meu avô a incentivar-me a pegar neles. Por isso, respiro fundo, agarro neles e levo-os comigo, como se já fossem uma parte de mim.


Entro na sala secreta.

O Gabriel vem a correr para mim assim que me vê e abraça-me com tanta força que quase deixo cair os diários. A minha ligação com esta pequena criança só tem crescido de dia para dia.

− Já estava com saudades tuas − diz-me com o seu sorriso malandro.

− Eu também.

Com o braço direito envolvo os diários junto ao meu peito e com a mão esquerda encaminho o Gabriel para o único colchão vazio.

− O que trazes aí? – pergunta-me curioso.

Poderia dizer-lhe que são as palavras da minha bisavó que trago junto ao peito. Ou até que é a vida da minha bisavó que amparo com o meu corpo. E porque não um fragmento do que eu sou? Ou será um fragmento do que eu serei? Mas nenhuma dessas respostas deixaria a sua curiosidade satisfeita. Elas apenas deixá-lo-iam confuso.

− São livros. Uns livros muito importantes para mim, por isso é que decidi trazê-los para aqui.

− Porquê aqui?

− Porque... − começo, fixando os meus olhos nos seus, − para além de muito seguro, é o meu sítio favorito da nave inteira.

− É onde eu vivo − grita orgulhoso. – É onde eu vivo! É onde eu vivo! – Começa a cantarolar pela sala, animando todas as outras crianças, que parecem despertar com a sua energia.

− Isso é o que eu penso? – questiona a Ângela, sentando-se do meu lado, quando a voz do Gabriel esmorece com o cansaço. – São os diários da Celeste, não são?

Pela forma carinhosa como menciona o nome da minha bisavó, percebe-se que devem ter tido uma grande amizade. Apesar de só terem estado juntas duas semanas, as lembranças que partilhavam do Planeta Terra devem tê-las unido. A Ângela é a única pessoa da sala secreta que chegou a viver na Terra, apesar de pouco tempo comparativamente com a minha bisavó.

− Sim, foi o meu avô que me os deu.

− Fico muito feliz por finalmente estarem no sítio certo.

− Sim, também acho que este é o sítio mais seguro para eles.

− Não me referia a esta sala. – A Ângela pousa a sua mão fria e gasta pelo tempo sobre a minha. – Contigo. Esse é o sítio deles.

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