Capítulo 42

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− O que estás aqui a fazer? – cuspo a pergunta, enraivecida, assim que vejo o Matias entrar na enfermaria.

− Calma, Aurora! Não é assim que se tratam os pacientes, − recrimina-me rispidamente a Maria. O meu olhar, contudo, continua fixado no jovem intruso que outrora já considerei como amigo.

− Eu... eu não vim como paciente.

− Por que outra razão abandonarias o teu local de serviço em horário de expediente? – retruco amargamente. Levo as duas mãos aos joelhos e aperto-os subtilmente. A secretária que tenho diante de mim protege-me e oculta esta minha fragilidade. Aos olhos da Maria e do Matias continuo sentada e hirta, como se nada me afetasse.

− Eu preciso de falar contigo. Se eu fosse ao teu quarto sei que me expulsarias de lá e o refeitório está sempre cheio de gente...

− E o teu chefe dispensou-te para que pudesses falar comigo?! – questiono ceticamente.

− Digamos que ultimamente tenho andado meio distraído no trabalho. Não foi difícil convencê-lo. O que ele mais quer é que eu volte a ser o mesmo Matias de sempre. Não sei se isso é sequer possível, mas se for, tu és a única que o pode recuperar, Aurora.

− Não é justo jogares os teus erros para cima de mim! – grito libertando de uma só vez a raiva que estava a conter dentro de mim. O meu corpo todo é impelido para cima. As minhas mãos agarram-se ao fino tampo da secretária, o único obstáculo existente entre nós. – Depois do que fizeste... − Inspiro desesperadamente o ar, na esperança de que o oxigénio tenha algum tipo de efeito calmante em mim. Expiro lentamente o dióxido de carbono desejando que o restante da raiva que ainda estou a sentir saia juntamente com ele. – Existem erros que deixam marcas impossíveis de apagar − digo num tom mais brando. A memória de outros erros, de outras pessoas, de outros tempos, tolda-me os pensamentos.

− Não me digas que estás a falar do teu erro, Aurora − comenta friamente a Maria. O tom e a insinuação que faz provocam-me náuseas. Como pude enganar-me tanto a respeito de uma pessoa? Como pude confiar nela em tempos?

− Se não te importas, Maria, − intromete-se o Matias antes de eu ter sequer tempo de processar por completo a provocação que me foi dirigida, − deixas-nos a sós, por favor? Esta é uma conversa entre mim e a Aurora.

− Depois de o que ela te fez ainda a proteges?!

− Maria, não me obrigues a fazer-te sair daqui!

A ameaça que usa é eficaz. De repente, volto a deparar-me com uma Maria frágil e tímida que se arrasta para fora da enfermaria sem protestar. Quem a visse agora julgaria que ela era a vítima, a donzela indefesa à espera de ser salva. Mas essa imagem não poderia estar mais longe da realidade. Custa-me admitir, mas prefiro a frontal e amarga Olívia, do que a falsa e dissimulada Maria.

− Por muito que ela merecesse, não devias ter falado assim com ela. A Maria não te fez mal nenhum.

− Mas fez-te a ti. E tu continuas a ser importante para mim. Apesar de...

− Apesar de quê? Tu concordas com a Maria, não é? Achas que errei ao defender o Salvador!

− Não. Eu acho que erraste ao escolhê-lo a ele ao invés de mim. Eu lutei sempre por ti. Estive sempre lá, mesmo quando me rejeitavas.

− Nunca foi uma escolha entre ti e ele. Alguém que me trata bem, mas não respeita e ainda espezinha os outros, não é, nem nunca será, a pessoa que quero do meu lado para o resto da minha vida. Não percebes isso? – A mágoa preenche a minha voz. Sinto-me triste por ele. Sinto-me triste por perceber que o Matias nunca poderá fazer ninguém feliz enquanto pelo caminho for maltratando outros.

AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora