Dia 12

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Garganta (por tianathuts)

Eu tenho gosto ácido nos lábios e grandes verdades na garganta.

Ninguém entenderia se eu dissesse que a visão distorcida me encanta. enquanto canto nessa cidade úmida de pessoas emboloradas.

Eu sinto o som vibrar em meus ouvidos, e toma forma, e dança e envolve meu ser.

O ácido. Me afastou de família, me fez ser dona das minhas brisas e me expor em minhas letras.

Antes de entrar no palco era a mesma história de sempre: Renato pegava seu pó, fazia a carreira e cheirava com sua nota de 100. Bárbara gostava de passar todos os acordes na gitarra sem amplificador só para aliviar sua insegurança, Otávio e eu sempre sentíamos a necessidade de achar um banheiro e foder antes de chamarem-nos para o aquecimento.

Eu cantava, Renato era baterista, Bárbara era guitarrista e Otávio baixista. Éramos nós e Francisco, nosso produtor, que ultimamente levava nosso som para lugares onde as pessoas demonstravam em olhares assustados ou amistosos que éramos novidade, algo que não se ouvia normalmente nas ruas.

Isso alimentava meu ego, me deixava mais ansiosa... Mas parece que nada disso que estava acontecendo era o suficiente. Quando todos estavam distraídos, peguei meu vidrinho e pinguei uma gota debaixo da língua. 40 minutos e eu me tornaria Gaia, aquela que todos esperavam, bem diferente daquela garota introspectiva e tímida que não sabia lidar com a música.

Gaia, que nome artístico minha mãe escolheu, será que ela teria escolhido outro se soubesse que me reconheceriam como a drogada da voz grave e intensa nos palcos?

-Gaia! - Otávio me gritou. Chegou perto e sussurrou em meu ouvido. - Você tomou uma gota?

Assenti com a cabeça e ele deu aquela risada baixa que me fez arrepiar.

- Será que se eu te beijar, você divide o lsd comigo e me deixa chapado também?

Sem pensar muito, sabendo que faltava pouco, saímos descontraídos do camarim e fomos ao banheiro. Era lama nos pés e a sensação quente nos poros.

Senti no caminho as cores intensificarem e o calor da presença dele ao meu lado me deixava excitada.

Entramos no banheiro e começamos com toques leves nos braços, no rosto, na clavícula. Ele me entendia, ele sabia dos efeitos, ele sabia o que me causava quando eu estava chapada. Nos beijamos e era mistura de fúria, com ansiedade e vontade. E tinha cores. A parede do banheiro piscava enquanto ele colocava suas mãos em mim.

- Mais cinco minutos pessoal! - ouvimos Francisco gritar.

Tirei as mãos de Otávio de mim e ofegante tentei lhe dizer:

- Sai um pouco, preciso ficar sozinha...

Acostumado com meu espaço, ele me deu mais um beijo e saiu do banheiro.

Respirei fundo. Uma. Duas. Três vezes.

Passei as mãos no cabelo, joguei água no rosto e sorri para o espelho. Era azul, verde, lilás e ondas. Do meu jeito mais livre de todos.

Ouvi batidos agudos na porta.

- Gaia! - Bárbara me chamava. - Vamos!

Sai silenciosamente do banheiro e segui para nosso aquecimento. Já podíamos ouvir a platéia. O artista só é pleno quando a platéia te grita.

Eles entraram primeiro, e eu por último. As luzes me cegaram mas eu sabia pra onde ir, o meio.

Estendi meus braços e acolhi as palmas e os gritos.

Antologia 1 - JunhoOnde histórias criam vida. Descubra agora