Corria como se tivesse asas nos pés.
Os galhos secos rasgando sua pele pálida e as pedras pontiagudas de cascalho espalhadas em meio à trilha ferindo seus pés descalços não eram nada comparados à sua sede de liberdade. Na verdade seria até algo mais, um estímulo, algo quase masoquista, por assim dizer. Era a primeira vez que estava correndo no mundo exterior, ou melhor, a primeira vez em que estava nele.
Podia ser a última vez do mundo, também.
A única ocasião em que viu uma árvore foi em uma imagem de um livro; agora podia ter a sensação estranha de ver várias delas, cujos galhos cortavam seus braços e rasgavam seu vestido, dando–lhe a desconhecida sensação da dor.
Ela ria, ria enquanto corria, ria enquanto sangrava. Todo esse tempo fora protegida, sufocada para que não experimentasse nenhuma mortal sensação desconfortável e agora estava ali, ávida em busca dela, tentando desesperadamente despistar seus protetores. Vão proteger o raio que os parta, pensava ela.
Como era bom sentir sede, cansaço, o suor escorrendo pelo corpo irriquieto e agoniado por ar puro. Certo, talvez não fosse tão bom assim, mas com certeza era uma sensação nova. E como ela ansiara por isso!
Lembrava–se das palavras de sua única amiga, Innana, enquanto estava no cativeiro, que explicava coisas do mundo de fora. Passara tantos anos presa naquela cúpula mágica que sequer imaginava que algum dia poderia sair. Era o mais próximo que conheceu por lar. Grande como um salão, com paredes translúcidas e transparentes que, dependendo como a luz batia, refletia inúmeras cores e assim poderia passar horas admirando as paredes de sua própria prisão. Tudo que tinha de conhecimento vinha dos livros que sua amiga surrupiava da biblioteca da aldeia e levava escondido para ela por dentro do vestido. Por vezes a pequena feiticeira foi pega e surrada pelos aldeões.
A única coisa que lembrava nesse momento era que se chamava Sephira... e que carregava uma estranha maldição. Não, não era o fato de ser uma Mary Sue *1.
Sephira não era muita alta, mas esguia. Tinha longos cabelos negros misturados a fios prateados, que escorriam–lhe até a cintura. Seus olhos eram verdes fora do comum, pois percebia isso vendo os olhos das pessoas que cuidavam dela. Até mesmo o chefe da aldeia não olhava diretamente neles, o que a fazia sentir–se rejeitada e excluída por julgar que fossem assustadores. Era bela – claro, afinal uma Mary Sue tinha que ser no mínimo perfeita – jovem, embora não soubesse exatamente quantos anos tinha. Tudo que sabia era, que desde que aprendera a contar, havia anoitecido cerca de 9100 vezes, embora possuísse um rosto jovem, que não aparentava ter mais de vinte anos.
Como nunca saía da cúpula, existiam mulheres para tomar conta dela e dar–lhe tudo o que fosse necessário, desde comida até banho. Mas negavam–lhe cultura ou conhecimento. Sabia que era uma aldeia de um tipo diferente de feiticeiros, mas até isso negavam–lhe saber mais. Até que surgiu essa sua pequena amiga Innana, cujo nome adorava repetir.
Innana possuía estatura baixa, cabelos castanhos levemente escuros. Sua face era redonda e alegre e sempre entrava e saía com livros dos mais diferentes tipos, que fascinavam a jovem prisioneira, tanto quanto os mapas e imagens que trazia do mundo exterior.
Sephira apenas pensava no quão belas eram aquelas montanhas, e o mar, como se firmava e não derramava, e por que raios tudo parecia tão achatado. Estava sempre ansiosa quando amanhecia; sendo sempre a primeira a acordar, esperando que a pequena feiticeira lhe trouxesse novos livros logo pela manhã. Eram nos primeiros raios de sol que Innana entrava, sorrateira, segurando os livros por baixo de seu vestido e coberta com o manto longo escuro e justo tampando o rosto, que era hábito do povo dali usar. Ela mal tirava os livros e Sephira avançava sobre eles, como um cachorrinho hiperativo sobre a ração.
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Quem Precisa de Heróis?
Fantasy"Sephira é uma jovem donzela que está fugindo, sendo perseguida por dois encapuzados. Para a sorte da moça, quatro heróis estilosos surgem para salvá-la. Azar o deles se morrem pelas mãos da mesma. São ressuscitados por um clérigo e têm que pagar um...