Velho Coração

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O mar estava calmo, o vento suave, a noite tranquila, não havia nada que incomodasse o descanso de Raskanarys que deitado sobre o chão do convés superior, apoiando sua cabeça com as mãos como travesseiro, a beira do muro da traseira do navio observava as estrelas em silêncio.

Balthazar estava tranquilo no convés inferior sentado em um caixote assim como seu irmão mais novo Wooper e juntos os dois jogavam dados sobre um barril apostando os valores tirados apenas para passar o tempo. Helena estava ao lado do timão, o segurando com apenas uma mão ditando calmamente, mas com postura altiva, dicas de como controlar o timão e guiar o navio para sua jovem protetora, que com as duas mãos agarradas aos bastões do timão seguia a risca as dicas recebidas, pegando cada vez melhor o jeito de guiar o navio.

Eles haviam deixado pra trás o porto destruído junto de todos os marinheiros que de tanta destruição, barulho, confusão e pânico no pier foram incapazes de sequer zarpar, principalmente por que dois de seus navios estavam completamente destruídos.

Raskanarys havia mergulhado pouco antes da explosão do navio, nadando longe da superfície ele evitou todos os destroços jogados pelas explosões, permaneceu por lá até parar de chover destroços e de fazer tanto barulho e quando enfim voltou a superfície teve pouquíssimo tempo para distinguir e agarrar a corda jogada por Wooper a sua frente para seu socorro.

Raskanarys ao subir viu a Capitã guiando o navio no timão com sua jovem protetora ao lado, foi recebido por Balthazar e Wooper que logo viram seu ferimento no ombro, foi levado a enfermaria daquele navio da marinha e com os equipamentos que haviam lá Balthazar pode fazer bons procedimentos de socorros tirando a bala do ombro de Raskanarys e limpando o ferimento, porém foi Helena que deixando o timão sob a supervisão de Wooper que cauterizou o ferimento ao ir ver como Raskanarys estava.

Ela utilizou uma colher de mel da cozinha do navio e sua faca aquecida em brasa para cauterizar o ferimento, um processo que causara muita dor ao Capitão que manteve-se firme na pior hora. Enfim ele se lavou, vestiu roupas limpas de oficiais da marinha deixando apenas a parte do uniforme guardada enquanto usava o resto da roupa, descansou um pouco mais e sem conseguir dormir ele saiu para o convés superior onde estavam a maioria da tripulação.

Ao chegar lá foi exatamente ao ponto onde considerou o melhor do navio e se deitou repousando ali sob nenhum teto olhando para as estrelas e continuando seu pensamento do qual ele não conseguia sair apesar de incomoda-lo.

Eis que desde seu momento de disfarce ao lado da jovem dama que usara para se livrar dos marinheiros no caminho até o celeiro Raskanarys havia se lembrado do gosto de algo que já não tinha a muito tempo, o prazer do amor de uma mulher. Havia também provado novamente os prazeres da luxúria pouco tempo depois com a Senhoria da Fazenda, talvez fosse este o motivo de quase ter entregue sua vida por alguns homens que resgatou da mesma fazenda, talvez o carinho de uma mulher e a audácia de outra tivessem despertado algo que a muito tempo o Capitão havia negado para si, mais com certeza aqueles momentos haviam trazido a tona memórias quase esquecidas de seu passado, memórias essas que ele não fazia a minima questão de se lembrar mas lembrou.

Raskanarys havia sido abandonado por sua esposa quando mudou seu rumo para a pirataria, a separação não foi causada apenas pela mudança dele mais foi principalmente pelo mesmo motivo que o fez aderir a tal mudança. Enfim o que Raskanatys sentia agora era carência e confusão, como um homem de comando o Capitão pirata deveria se conter junto de suas emoções e expeli-las aos poucos de forma controlada para manter-se firme e inabalável, mas no momento ele se encontrava com muitos ícones de seu passado o que o deixou de guarda baixa para as emoções.

O navio da marinha lembrava um antigo passado antes de ter seu navio pirata, a falta de sua tripulação e homens novos sem confiança plena nele o lembravam das dificuldades de conquistar seus primeiros tripulantes no passado, Balthazar e Wooper traziam lembranças e saudades das velhas amizades que tinha e a muito tempo não via mais. Balthazar poderia não saber e se perguntasse Raskanarys nunca iria admitir mais o Capitão pirata estava feliz por estar novamente ao lado de seu tão querido amigo mas não era este o ponto emocional mais forte nele. Raskanarys durante o tempo que foi tratado na enfermaria reparou mais em Helena, deu atenção ao toque de suas mãos, percebeu que apesar da firmeza de sua postura ela ainda era delicada e atenciosa e mesmo debaixo do sorriso debochado dela durante a cauterização ainda havia um pouco de preocupação em seu olhar, aqueles momentos foram estranhos para Raskanarys, ele nutrira uma pequena admiração pela Capitã da qual ainda não entendia bem e acreditava estarem entrando em conflito com suas lembranças causando uma confusão sentimental em si. Raskanarys se continha para não demonstrar nenhum interesse antes de desfazer essa confusão e entender melhor seus próprios pensamentos, mas escolheu ficar o mais próximo dela, bem a vista onde pudesse observa-la e pensar sobre tudo que o incomodava.

Filhos do Mar - O DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora