Capítulo 2 - A Última Manhã

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21 de Setembro de 2018, Vancouver.

Morto: é assim que me sinto.
Eu também me sinto observado.
Todos os dias.
Á toda hora.
As inúmeras paredes brancas com listras cinzas na parte superior parecem me observar sempre.
Nesta enorme casa, onde várias e várias janelas me dão uma vista para a cidade com temperaturas ótimas de Vancouver, e na sala de jantar, onde pode ser avistado um belo rio, me parecem como uma cena de filme de terror, onde era para se parecer com um filme romântico.
Os meus pais não parecem estarem preocupados com os meus pensamentos.
Meus amigos estão através de um display de celular, á quilômetros de mim.
A única pessoa que eu tenho mais proximidade é uma amiga da escola, e só á vejo das sete da manhã aos meio dia.
E por mais que eu queira, eu não posso contar o que estou sentindo para ela. Justamente porque ela julgaria ser "problemas de gente rica" da mesma forma que ela julgou da última vez, quando eu estava passando por outros problemas.
Na mesma hora que eu sinto que o mundo inteiro me ama, e ama a minha família, eu também sinto que eles não estão ligando para mim, e estão mais preocupados em esperar o dia em que eu irei cometer um grande erro ou surtar pela fama.
Não sei mais à quem recorrer. Acho que até se um coelho de pelos brancos e olhos vermelhos viesse andando para os meus pés, eu lhe contaria todos os meus medos que sinto hoje.

Com um medo agridoce, Raul Murphy.

Raul, ao terminar suas escrituras, desce para tomar café da manhã com sua família e empregados. Ele desce até a sala de jantar mas não os encontra lá, ouve então uma conversa vindo do lado de fora da casa, onde lá estão os empregados, comendo e compartilhando altas risadas, numa das varandas, onde têm vista para a cidade e para a piscina, em um andar de baixo, enquanto Bennet e Lohany continuam preocupados em acharem uma salvação para o nome da família. Bennet está tomando chá de canela, segurando na mão direita, uma xícara tão branca e polida, que se espelha todo o brilho do sol, enquanto na mão esquerda, ele segura um jornal, que provavelmente deve estar na página onde se fala dos milionários. Lohany está mexendo em seu celular, conversando com um de seus administradores.
Raul se senta na ponta da mesa, em uma cadeira oval de acrílico transparente, e começa a comer.
Cordelia, uma das empregadas da casa, alta, dos olhos verdes e cabelos louros amarrados para trás, de uns 46 anos, diz ao adolescente que seus pais irão viajar nesta noite, de volta para Miami para resolverem um assunto.
Raul, que agora está nitidamente nervoso com seus pais, se levanta e começa a dizer em tom alto.
- Até onde vai isso? Uma empregada ter que me dar satisfações de onde os meus pais irão? Oras, se o dinheiro pudesse comprar novos pais, o que não seria da minha felicidade.

Bennet se irrita com Raul.

- Olhe os modos! Eu quem o digo! Aí de mim se o dinheiro pudesse comprar um filho novo, mais educado e gentil.

Raul derruba no chão de proposito uma das taças que estavam em cima da mesa, e vai para seu quarto, onde se tranca pelo o resto do dia.
No caminho para seu quarto, Raul começou à pensar nas diversas formas de fugir de casa, ou de conseguir chamar a atenção dos pais. Ele estava tão devastado que não conseguia ter outros pensamentos ao não ser que aquilo nunca iria passar. Ele estava comovido com a atenção que seus pais davam para o dinheiro, sempre querendo mais do que eles já tinham.

Lohany, que permaneceu na mesa depois do ocorrido, não se pronunciou, e trinta e sete minutos mais tarde, pediu à Cordelia, para que ela fosse até o quarto de Raul, avisar que o motorista estava o esperando para levá-lo até a escola.
Cordelia subiu até o quarto de Raul, e bateu em sua porta, uma porta de madeira toda branca.
Raul não respondeu, e a empregada pôde ouvir os suspiros de choro do menino.

Ela desceu com o coração partido para o primeiro andar, e disse para Lohany que ele já estava descendo.
A Lady foi para seu quarto, terminar sua maquiagem para pegar o voo, tendo nem a capacidade de se despedir de seu filho, já que ficaria cinco dias longe de casa.
Eram onze e doze, quando Raul viu o carro de Lohany sair para o aeroporto, e onze e dezesseis, quando saiu o de Bennet.
Raul então resolveu descer para conversar com Cordelia.
- Eles nem perceberam que o carro do meu motorista estava na garagem – disse ele para a empregada enquanto descia as escadas.
Cordelia, que estava sentada no chão polindo uma pequena mesa de vidro central, que estava em cima de um tapete peludo e branco, olhou fixamente para o menino e disse:
- Qual era sua frustação logo cedo? O que te fez levar ao choro?
Raul, que senta no chão e se encosta na parede, responde:
- Várias coisas Délia... (Délia, um apelido que Raul deu à ela logo quando chegou de Miami, quando fez amizade com ela.) Não sei consigo contar o que me deixa ruim, além das inúmeras atitudes ridículas dos meus pais.
Cordelia senta-se ao lado de Raul no chão, e o acalma, dizendo que ele pode dividir qualquer sofrimento com ela, ou qualquer outro empregado da casa.
- Eu me sinto observado.
- Por quem? – pergunta Cordelia.
- Como assim?
- Por que tipo de pessoa?
- Ah sim. Bom, pelo tipo de pessoa que te mataria na sexta e choraria em seu velório no sábado. – responde Raul.
Cordelia fica assustada e se levanta rapidamente.
Raul abaixa sua cabeça, quase chorando.

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