A criança de olhos vazios

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   Isav não entendia. Era a terceira vez em um único dia que via algo impossível. "Será que me drogaram ?". A ideia parecia plausível para ele, mas tentou não pensar muito nela. "Não vamos começar supondo o pior, o que além de drogas me faria alucinar dessa forma ?...Ok, vou falar pra mamãe chamar a polícia, definitivamente eu fui drogado". 

-Mãe - chama

   A mãe de Isav se vira para olhar o filho, assim que o faz, todos os pombos simplesmente desaparecem.

-Oi, filho, como foi na escola ?

   Isav hesitou, não sabia mais se deveria contar suas suspeitas. Poderiam não acreditar nele, afinal, ele mesmo não sabia no que acreditar. Poderiam taxa-lo como um louco. Talvez ele estivesse. Louco ou não, estava são o bastante para saber que dizer que estava vendo animais de várias caldas e olhos pretos não era uma boa idéia.

-Nada mal - sua voz saiu natural. Quando queria, podia contar uma mentira como ninguém.

-Bom pra você - disse sua mãe com indiferença - Porque aqui tá tudo uma merda.

-Hããã... O que foi ?

-A Andressa veio aqui hoje cedo, disse que não poderia vir amanhã - Isav se chocou ao saber que a mentira que contou a Alion acabou por não ser uma mentira, mas também preocupou-se ao ouvir o nome da empregada.

   Isav considerava Andressa uma tia, por isso odiava o desrespeito com que era tratada nas mãos da patroa. Sua mãe, Márcia, sempre foi muito generosa e bondosa, mas cresceu em uma época de preconceitos, os quais reproduz constantemente, achando que não fazem mal a ninguém. Comentários machistas e racistas eram constantemente ouvidos por Isav, que repreendia a mãe sempre que podia, mas inutilmente. Ela não aprendia, porém ele não pararia, tentaria tirar os vários estereótipos da mãe, mesmo que não conseguisse.

-Tá, e o que tem a Andressa ? - pergunta, se preparando para o pior.

-Pedi pra ela limpar a cozinha, mas olha o serviço de preto que ela fez - Isav sentiu raiva. Olhou em volta, a cozinha estava tão limpa quanto possível, mas,mesmo que não estivesse, não justificaria dizer esse tipo de coisa.

-Mãe, você não pode ficar falando esse tipo de coisa, é extremamente racista. Além de idiota. A qualidade de um trabalho não tem relação com a cor da pele de alguém, enfia isso na cabeça!

   Sua mãe revira os olhos, Isav cruza os braços em resposta.

-Eu não sei qual o problema - diz Márcia - É só uma expressão, e não tem ninguém aqui pra se ofender, então tudo bem.

   Isav se indignou. "Não é possível que ela realmente acredite nisso".

-Então pra você não tem problema ser ofensiva, contanto que quem você ofende não esteja perto.

-Exatamente.

-Mãe... - Isav queria fazê-la entender, mas ela o interrompeu.

-Chega desse assunto. Você vai me fazer um favor -apesar de indignado, o garoto confirma com a cabeça. Tinha coisas de mais na cabeça, não estava disposto a entrar em mais uma discussão com a mãe, "Ela ignora tudo que eu digo de uma forma ou de outra, não estou em condições de falar com uma parede agora".

-Claro, o que você quer ? - nem se deu ao trabalho de fingir boa vontade, queria que sua mãe soubesse de sua insatisfação.

-Depois que você almoçar, quero que leve o bolo que eu fiz pra mãe do Alion.

-Por que você fez bolo pra ela ?

-Ela me mandou um ontem.

-E você quer agradecer ? - Isav quase esqueceu a conversa que tinha acabado de ter, mas isso não seria tão fácil.

I.L.AOnde histórias criam vida. Descubra agora