A entrada súbita da polícia no local tira Lara de seu transe. Ela deixou Isav sozinho com o corpo de Alion.
Reunindo toda a força de vontade que lhe resta, ela se ergue e vai até o amigo. Precisa ser forte por ele. Seus gritos pararam, mas as lágrimas ainda caem descontroladamente. Ele deitou o corpo e pressionou suas mãos sobre a ferida. Sangue ainda vaza com intensidade pelo buraco da bala. Intensidade excessiva. As mãos de Isav estão encharcadas, e o chão também.
Sem olhar para a amiga, Isav diz com a voz fraca e chorosa:
-Ele não para de sangrar... Eu tentei estancar... Continua sangrando... Eu não sabia que era possível sangrar dessa forma... depois de morto...
-Não é...
Isav encara Lara, confuso, e sua mente sai do entorpecimento. Ele sente uma vibração fraca nas mãos. O coração perfurado ainda batia.
A polícia. Os paramédicos. Os médicos. A mãe de Isav. Ninguém soube explicar o que manteve o coração do batendo. Não havia buraco de saída, mas a bala, que deveria estar alojada no garoto, tinha desaparecido. Os médicos fizeram o que podiam, o suturaram, e nem se surpreenderam quando o corpo de um garoto diabético, que normalmente teria problemas em coagular um corte, selou em minutos um ferimento a bala. Aquela certamente não foi a coisa mais chocante vinda do rapaz cujo coração atravessado não deixou de bater.
Alion agora dorme sereno, como se estivesse simplesmente descansando após um dia difícil. Márcia afirmou que ele sobreviveria, mas teria que ser vigiado. Ninguém entende o milagre de sua sobrevivência, mas não seria inesperado se ele morresse a qualquer momento. Ela também disse que ele deve acordar em breve, mas Isav sabe que ela está apenas tentando confortá-lo. Não há como saber o que vai acontecer.
Isav e Lara prestaram depoimento à polícia. Omitiram o fato de que a garota derrubara os homens. Estavam na recepção do hospital. A mãe de Lara chegaria para buscá-la em alguns minutos, e levaria Isav para a casa dele. O garoto relutou, queria ver Alion antes de ir embora, mas não poderia visitá-lo de qualquer forma, então Lara conseguiu convencê-lo.
Isav é o primeiro a quebrar o silêncio entre os dois.
-Eu deveria ter sido mais rápido - diz, de cabeça baixa - dezessete pessoas morreram porque eu não agi rápido o suficiente.
-Os verdadeiros culpados são os homens que puxaram os gatilhos.
-Talvez, mas eu podia tê-los impedido.
-Mais gente ia morrer se você não estivesse lá.
-Dezessete pessoas morreram, Lara. Não importa se mais podiam ter morrido, uma única morte já é uma tragédia, tragédia essa que eu poderia ter impedido.
-Isav...
-Meu namorado quase morreu - as lágrimas começam a surgir novamente - Quase. Só de pensar que ele estava morto, eu senti como se minha alma fosse arrancada. Todo mundo que morreu era namorado, filho ou irmão de alguém. Pra essas pessoas, a dor continua.
-Eles não eram só namorado, filho ou irmão de alguém, Isav. Eram alguém. Eram todo um futuro, toda uma infinidade de possibilidades que se acabaram. Era isso que você queria ouvir ? - as palavras cortam Isav como uma faca, mas ele encara o chão, sem resposta - Foi uma tragédia, sim. Você de fato não conseguiu salvar todo mundo, mas não tinha forma de fazer isso. Era impossível prever o que aconteceria, e ninguém pode te culpar por não ser onipotente. Algumas coisas estão além do nosso controle e quanto antes você aceitar isso, menos vai doer lidar com elas. Eu também não fui rápida o bastante para deter todos os homens. Dezessete famílias estão de luto porque eu não tive poder o suficiente, mas tem cinquenta e nove respirando com alívio, porque sua interferência naquela sala permitiu que seus entes queridos voltassem pra casa. Os únicos culpados são aqueles homens, e você não tem ideia de quantas vezes eu corri até a entrada da delegacia me preparando para matar cada um deles e ir embora antes que as câmeras pudessem sequer registrar minha entrada - Isav a encara surpreso - Mas eu voltei pra cá sem demora. O que vai acontecer com eles, não cabe a mim decidir. E nós dois sabemos que o Alion não iria querer que sujássemos nossas mãos.
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I.L.A
AdventureUm dia antes de seu aniversário de 18 anos, Isav começa a notar coisas estranhas acontecendo ao seu redor. Enxerga coisas impossíveis, seres que não existem e que ninguém mais parece ver. Esteja ele vendo coisas irreais, ou presenciando verdadeiros...