O rolê - parte dois

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-Uma porta leva à sala do Pop, uma à do funk e a outra toca Marília Mendonça pras gays que tão sofrendo. Cada uma tem um bar, mas o banheiro é só um, que é a quarta porta. Escolham - Lara, a única que já esteve lá, explicava aos amigos a estrutura da boate.

   O espaço da boate é enorme. Ela é rodeada por  um muro, com seguranças do lado de fora. Por dentro, há um pátio e quatro cubículos grandes, que são as divisões dos estilos musicais citados por Lara, e o banheiro unissex.

-Eu quero Pop - diz Isav.

-Eu quero funk - diz Alion.

-Eu quero Marília Mendonça - diz Lara.

   Os garotos a olham com estranhamento e Isav pergunta:

-Terminou com alguém recentemente ?

-O bar de lá tem mais atendentes e bebidas.

-Por quê ? - questiona Alion.

-Ninguém bebe mais do que uma pessoa sofrendo ao som de Marília Mendonça, então, pra evitar que o bar fique congestionado, tem mais gente servindo.

-Então é pra lá que a gente vai.

   Os três quase não bebem, apenas dançam rodeados de pessoas. Tudo de ruim desaparece, sentem um imenso alívio, juntamente com alegria e euforia. Felicidade, essa palavra resume tudo.

   Após uma hora dançando continuamente, Lara sente vontade de ir ao banheiro. Abre caminho entre as várias pessoas chorando enquanto pulam e cantam "ME APAIXONEI. PELO QUE EU INVEEEENTEEEEIII DE VOOOCÊÊÊÊ".

   Isav e Alion ficam parados frente a frente, com as mãos dadas, olhando um nos olhos do outro. São poucos os ambientes em que se sentem confortáveis para demonstrar afeto. Na escola há sempre um incômodo olhar de desprezo quando estão meramente sentados próximos. Ali, naquele instante, sentem-se livres.

   Sem soltarem as mãos, juntam suas testas e sentem como se o mundo ao redor deixasse de existir. Alion se vê encarando o universo infinito em cada olho do namorado, o qual analisa com cuidado cada detalhe de seu rosto.

   Isav diz algo, mas ele fala baixo, e a música é alta. Irrelevante. Alion entendeu bem o que foi dito.

-Eu também te amo - responde.

   Os arredores voltam a existir, quando um estranho barulho chama a atenção dos dois. Têm dificuldade em identificar o som. Lara o ouve com mais clareza, mas, mesmo assim, leva um tempo para assimilar o que era. Um segundo barulho é emitido. Agora Lara sabe. Foram tiros.

   Ao sair do banheiro, vê três grupos de três homens cada. Todos armados com metralhadoras, cada um entrando em uma área da boate. O instinto de Lara a guia para onde os amigos estão, mas ela se detém. Isav está lá, mas as outras partes da balada estão desprotegidas.

   No mundo puro, ela poderia nocautear todos antes que dessem sequer um passo, mas não está tão rápida ali. Corre na direção da área do Pop. Quando chega, escuta tiros na direção de onde estão os amigos. Com um esforço maior que qualquer outro, ela se impede de ir até lá. Tem um trabalho para fazer.

   Tudo acontece muito rápido. Isav vê a porta da área ser escancarada, em seguida escuta uma série de sons altos e pessoas à sua frente começam a cair. Segundos antes, cada uma delas dançava, sendo felizes por estarem vivas. Agora eram corpos caídos ao chão, com o choque sendo a última coisa em seus olhos. Cada uma delas tinha todo um futuro, que agora não existe mais. Isav não compreende. Os homens usam máscaras, mas ele vê seus olhos. Os olhos cruéis do impuro não o assustaram tanto. O impuro era pura frieza, mas Isav reconhecia algum propósito, por mais egoísta que fosse, em seu olhar. O dos homens não tinha nada. Sem motivo, ambição ou objetivo. Isav só via ódio.

  Tentam pressionar seus gatilhos, mas os sentem travados. Isav não se importa se pode expôr seu poder, se prepara para derrubar o teto nos três assassinos. Uma coisa o detém, um borrão no ar. Algo foi arremessado.

   O garoto concentra toda sua essência na área onde, seja lá o que aquilo fosse, o objeto desconhecido caiu. Sangue escorre de seu nariz quando uma grande pressão, além de um intenso calor, se desloca naquele espaço, como se rasgassem sua mente, mas ele não cede. Contém a explosão antes que afete toda a área que poderia. Não é o bastante para salvar todos, mais cinco corpos jazem sem vida no chão, e outros sete se arrastam em agonia.

   Voltando seus olhos para os monstros, Isav os vê caídos, com Lara logo atrás, com um sofrimento visível no rosto. O garoto trava. Em um segundo, tudo desmoronou. Precisa de Alion. Se vira em busca do namorado, mas ele não está ao seu lado. Está no chão, com um buraco no peito, exatamente onde está seu coração, vazando lentamente um líquido espesso e rubro. Isav agora sente o cheiro de sangue que a adrenalina estava abafando. Uma dor indescritível o domina. Nem mesmo nota a enxurrada de lágrimas escorrendo por sua face. A música não parou de tocar, mas todos escutam o grito angustiado de Isav à medida que ele se lança no chão, abraçando o corpo ainda quente de Alion. Lara paralisa. Seu rosto está inexpressivo. Ela sai do recinto e anda calmamente. Ela reconhece seus sentimentos. São os mesmos de quando viu o cadáver do pai.

   A garota anda pouco. Sente sua energia desaparecer. Não tem forças para andar ou permanecer de pé. Cai de bruços no chão, agarrando-se à grama. Sua garganta arde como se suas cordas vocais rompessem após seu berro. Se alguém ali não estivesse tão imerso em terror e angústia, ouviria as sirenes dos carros da polícia, misturados ao alto e melancólico choro de Isav.

I.L.AOnde histórias criam vida. Descubra agora