REN
Depois daquelas palavras dolorosas e cruéis que tiraram meu chão por completo, a garota com voz nojenta — que soube se chamar de Olivia —, graças a sua saudação sarcástica, disse que trabalhava no necrotério da cidade.
Desliguei na sua cara e levantei-me. Meus músculos adormecidos resolveram voltar a doer, mas não me importei. Coloquei uma camisa qualquer e atravessando o corredor para o quarto da minha mãe, rezei para que aquilo fosse uma brincadeira de mal gosto.
Não era.
Ela não estava deitada ali, muito menos na varanda fumando seu costumeiro cigarro e olhando para o céu com um sorriso bobo e arrependido.
Engoli as lágrimas quando peguei as chaves da BMW, o carro que minha mãe tinha-me dado no aniversário de dezoito anos. Entrei na garagem, sendo saudado por Bil e Bolinha, com latidos alegres, os filhos do falecido pastor alemão, Bob.
Sequei as lágrimas que caíram quando os vi.
— Agora não. — Disse.
Eles se aquietaram e voltaram para as suas respectivas camas com expressões infelizes. Como se pressentissem o que estava acontecendo. Não duvidei. Cachorros tinham mesmo um sexto sentido.
Entrei no carro e acionei tanto a porta da garagem como o portão.
Depois de dar a ré, não sei como, mas lembrei de fechar o portão para eles não fugirem atrás de mim.
Não estava pensando direito, minha respiração falhava enquanto pedia silenciosamente para que tivessem se enganado e pegado outra ruiva morta por aí.
Tiros e facadas. Foi o que Olivia falou.
Segurei o máximo que pude as lágrimas — por mais que algumas escapassem contra minha vontade —, até lembrar de como a tinha tratado mais cedo.
Me lembro de chorar somente duas vezes na vida.
Com sete anos, quando pulei da árvore no parque e quebrei uma perna. E com dezesseis anos, ao ter minha primeira desilusão amorosa.
Todas as duas vezes, Analu estivera ao meu lado. Eu não costumava me abrir com as pessoas, muito menos com minha mãe, era desconfortável. Mas ela era paciente e ouvia o que eu estava preparado para contar.
Uma parte da história.
Ela me levou ao psicólogo quando ousei informar que pensava em me matar, aos dezessete anos. Minha adolescência não foi sinônimo de alegria, e sim, de tristeza. Mas Analu nunca me julgou, e sim, sempre aturou minhas mudanças de humor sem reclamar.
Sei que vinte minutos depois, cheguei ao necrotério.
Ele estava aberto.
— Onde ela está? — Indaguei, assim que entrei naquela merda mórbida.
Uma mulher de mais ou menos trinta anos me olhou de cima a baixo. Ela tinha cabelos loiros, olhos verdes e podia apostar cinquenta reais que era a tal Olivia.
— Você deve ser Ren War...
— Sim, sou eu. — As lágrimas escorriam por meu rosto agora, deixando-me uma confusão de vermelho tomate. — Me leve até minha mãe.
— Identidade?
Que? Suspirei irritado e alto, bati com minhas mãos na mesa de vidro com força, fazendo-a dar um pulo da cadeira e quase quebrar o vidro.
— Olhe bem para mim e veja se estou em condições de ter trazido a droga da minha identidade. Você me acordou as duas e meia da manhã para informar-me que minha mãe tinha morrido e agora que estou aqui, está barrando minha entrada somente para pedir uma IDENTIDADE? — Gritei.
Um homem de cabelos... brancos, vestindo um jaleco também branco, aparentando ter minha idade, saiu de trás de uma porta preta.
— O que está acontecendo aqui?
— Essa idiota está impedindo-me de ver minha mãe. — Apontei para a secretária, que estava ficando vermelha, como eu. — Estou desesperado, você pode ver pelo meu estado, e somente quero ter certeza de que aquela mulher que foi trazida para cá, não seja minha mãe. Morta.
O homem desviou os olhos azuis e mordeu os lábios.
— Me acompanhe.
— Mas...
— Agora não, Olivia. — Ele interrompeu e me chamou com um gesto.
Acompanhei-o por um corredor, até ele entrar por uma porta cinza, com os dizeres "Recentes", e eu ser obrigado a tapar o nariz pelo cheiro do formol. Tinha muitos corpos ali, todos tapados com uma espécie de lona verde.
O homem chegou perto de um em especial, olhou-me com preocupação e soltando a respiração, puxou a lona para baixo, revelando o corpo ensanguentado.
Coloquei a mão no coração e dei passos incertos para trás, tomando cuidado para não trombar com um corpo desconhecido.
— É a sua mãe, Ren?
Aquela ali não parecia ser ela.
Estava com marcas de tiros pelo peito e duas facadas no pescoço. Os olhos bem abertos e sua boca, formando uma expressão de terror. Não.
Mãe...?
Mas reconheci as letras no dorso de sua mão direita.
URIEL.
— É. — Concordei, fraquejando e fechando os olhos com a dor. — É a minha mãe.
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Espero que tenham gostado :3
Bjocas da Gótica Suave :)
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O Anticristo do Fogo | Vol. III [DISPONÍVEL NA AMAZON]
Fantasy⚠É BOM LER O LIVRO UM E DOIS ⚠ ALERTA DE SPOILER ⚠ Livro 3. Trilogia Caídos. "Ele vai fazer de tudo para ter seu pai de volta." Passou-se vinte e cinco anos desde os acontecimentos de O Anjo Exilado e Guiada ao Inferno. E o filho do Arcanjo Uriel e...