21: APANHARIA ATÉ MORRER

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URIEL

Deitei Ren na cama com o mínimo movimento possível, tentando deixá-lo desacordado. Ele merecia um descanso, afinal.

Nem que fosse proveniente de várias surras.

— O que deu na sua cabeça, Amitiel? — Perguntei, encarando meu filho deitado na cama, desacordado. — Enlouqueceu? Não me viu lá em cima também?

Ele tinha tido tempo de achar um receptáculo interessante. Bonito, forte, alto, olhos verdes, cabelos louros e uma postura militar invejável.

O pior era saber que o idiota era mais alto que eu.

Droga.

Ele desviou os olhos dos meus.

— Desculpe, senhor, eu vi um anjo de fogo e...

Bufei, afastando-me de Ren.

— Eu sou um Arcanjo do fogo, seu animal. O único. Você queria me matar jogando no mar? É isso?

Eu estava possesso, ver meu filho machucado daquele jeito estava fazendo instintos paternos se aflorarem. Tarde para isso, com certeza.

Mas não me arrependi quando — desobedecendo meus pensamentos anteriores sobre não acordar Ren — dei um soco em Amitiel e ele caiu, quebrando um vaso de cristal.

Imediatamente Dhália estava ao meu lado e segurava meu braço.

Como se fosse adiantar muita coisa.

Dei uma olhada em Ren, mas ele continuava com os olhos fechados e respirando pesadamente.

Amitiel estava acostumado a seguir ordens e apanhar, por isso não esboçou nenhuma reação ao se levantar e ter seu nariz sangrando. Apenas pegou a toalha que Gabriel estendeu e começou a limpar a sujeira que estava sua cara.

— Desculpe, senhor. — Disse, com a voz fanha. — Sinto muito. Mas quando vi você voando atrás dele, imaginei que fosse uma perseguição e não medi esforços para apanhá-lo.

Dei um passo ameaçador para a frente, mas a calma de Gabriel inundou-me por inteiro. Seu dom as vezes me dava vontade de estrangulá-lo. Então voltei para trás, onde seu dom não me interceptava.

De onde eu ainda podia mandar uma bola de fogo contra Amitiel.

Rosnei.

— Primeiro, seu inseto, se eu quisesse realmente alcançá-lo, não precisaria de sua ajuda. Segundo, você sempre soube que tinha um filho aqui, onde ele também possuía o meu poder. Então por que diabos não imaginou que fosse ele? — Explodi, gritando.

Inundando o quarto com silêncio, óbvio.

— Acalme-se, Uriel. — Dhália ficou na minha frente, forçando-me a olhá-la. — Não aconteceu nada demais. E se tivesse acontecido... aí sim, você poderia descontar em Amitiel. Ren precisava de descanso, além disso.

Eu sei. Mas ele já apanhou demais, será que não entende?

Ninguém entende?

Ren continuava dormindo. Sono pesado aquele garoto tinha.

— Ah é? — Retruquei, sorrindo maleficamente. — Então quando você também estiver cansada, peça para meu comandante te dar uma surra. Você vai acordar muito bem, garanto.

Dhália revirou os olhos verdes e se afastou, sussurrando um "desisto".

Dane-se os seus sentimentos. Eu somente queria — começar — a proteger meu filho. Mas nem para isso tive capacidade, senti-me um inútil.

— Bom. — Gabriel ficou no meio de nós. Mesmo com suas feições jovens, e aquele cabelo branco ridículo, sabia que ele daria conta de nós dois. Mas também sabia que Amitiel não reagiria se eu o confrontasse. Apanharia até morrer. — Uriel, chega. Já deu para perceber que você está chateado com o comportamento de Amitiel, mas sério, deu. Acabou o surto.

Respirei algumas vezes para me acalmar o suficiente para não partir para cima de Gabriel também.

Fechei os olhos e apontei para a porta.

— Deixe-nos a sós.

— Uriel.

— Cale a boca, Gabriel e saia. Os dois.

Gabriel me lançou um último olhar ameaçador. Os dois saíram e fecharam a porta atrás de si, resignados.

Olhei na direção do teto, mas visando o Céu.

Onde a alma dela estaria.

Lambi os lábios secos e hesitei.

— A-a-nalu? — Gaguejei, sentindo meu lábio inferior tremer.

Não era possível que aquele receptáculo também tivesse problemas emocionais como o assassino Jonas Estol, o lunático-porco-nojento do qual tive que conviver quando caí.

Apenas garanti a mim mesmo que estava sofrendo por tudo que ainda teria que passar.

— Me desculpe por não cuidar do nosso filho. Mas prometo que darei minha vida por ele. Não se preocupe. Tentarei fazer meu papel de pai a partir de agora.

Observei Ren deitado na cama de seu quarto, escuro, em cima dos lençóis pretos. Sorri com a lembrança de como Analu se vestia e que do primeiro conjunto do bebê, foi aquela cor.

Dhália tinha trocado sua roupa, agora ele estava com uma calça jeans e uma blusa branca.

Assenti para mim mesmo e soltei a respiração entrecortada.

— Me perdoe, pequeno.

Saí dali.

Antes que meu lado racional viesse abaixo e eu tivesse que chorar em seus ombros, pedindo desculpas por tudo que estava fazendo-o passar. Seria eternamente vergonhoso para nós dois, tive que admitir.

Um Arcanjo pedindo desculpas? Inédito.

O pior é que eu realmente tinha acatado a ideia de Dhália.

De me aproximar de Ren. O problema é que estava sendo difícil demais.

Talvez, em toda aquela armadura de ferro que ele fizera ao ocorrer dos anos, a de se permitir sentir algo pelo pai invisível de que tanto sua mãe falava, fosse impenetrável.

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