20: FUGINDO DO PAI

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REN

Estava claro que Amitiel não gostava de horários.

Porque estávamos esperando-o a duas horas.

Até fui obrigado a abrir a casa novamente e me sentar no sofá. Mas não por muito tempo, logo a fome atacou e peguei um pote de chocolate com creme, deliciando-me com o açúcar passando em minhas veias.

Nem me importei com meu físico naquele momento. Na verdade, meu corpo era uma das últimas preocupações. Eu só queria que ele ao menos parasse de doer por míseros instantes da surra de Beckham e do gigante tombo na areia da praia.

Mas estava complicado.

Dhália, Uriel e Gabriel procuraram algo nos armários, por também estarem com fome e pegaram cada um, um pacote de macarrão instantâneo e começaram a comer, cru.

Fiz uma careta insatisfatória.

Minha mãe adorava aquilo. Sempre, e digo que sempre, comia somente aquilo no almoço e no jantar.

Então, como não tinha mais nada para fazer enquanto esperava um anjo saber olhar o relógio, permite-me observá-los sem que notassem.

Uma das minhas melhores habilidade era saber a alma da pessoa basicamente — será que tinha alguma coisa a ver com ser filho de um Arcanjo? — Somente de bater o olho nela, eu conseguia visualizar seus sentimentos, então comecei por Dhália, que parecia a mais sensível.

Enquanto ela comia sua massa seca com tempero como se fosse maionese em cima de pizza, estreitei os olhos em sua direção. Quando os seus encontraram os meus, ela sorriu... e pronto.

Já notei que Dhália não era feliz, ela parecia ter uma grande cicatriz dentro de si e mesmo com o nosso começo desastroso quando avisou-me sobre a morte da minha mãe, senti um ímpeto de confortá-la.

Que logo foi embora quando ela abriu a boca.

— Perdeu algo aqui, Ren?

Minha dignidade, talvez.

Mas somente neguei com a cabeça e olhei para fora, através do vidro fumê, que deixava o céu negro.

Gabriel sentou-se ao meu lado, cruzando as pernas magras. Fitei-o demoradamente, analisando-o.

— Por que sentou aqui?

Gabriel ergueu as sobrancelhas.

— Porque sento onde eu quero.

Cruzei os braços na frente do corpo, protegendo-me de três pares de olhos. Sentia que o de Uriel queimava minha pele ainda mais que os outros.

Controlei minha respiração até notar os dedos gelados de Gabriel pegando em minha pele.

— Está tudo bem?

Aquelas três palavras terminaram, consideravelmente, de me matar por dentro. Em todas aquelas doze horas que tinha descoberto a morte de Analu, ninguém tinha se dado o trabalho de indagar isso.

Não seria sincero se viesse de Dhália ou até mesmo de Uriel, que não estava se esforçando em nada, mas... de Gabriel? Que não tinha nada a ver com a minha situação? Concordei com a cabeça, desviando os olhos dos seus.

Senti as lágrimas chegarem e não querendo fazer-me de maricas, forcei meus joelhos para o meu quarto.

Ouvi murmúrios lá embaixo, na sala, enquanto as lágrimas desciam livres por meu rosto.

Não, não, de novo não.

Eu não queria ser a merda de um molenga mas aguentar tudo calado não estava dando.

No entanto, não era meu desejo chamar atenção, mas não consegui conter o grito de ódio que soltei assim quando comecei a correr pela casa e pegar fogo.

As asas crepitaram um minuto antes de eu me jogar da janela, em direção ao mar.

Perfeito.

A noção básica que eu tinha era de estar voando em direção as nuvens, com o calor do Sol não incomodando nenhum pouco, deixando que a dor inundasse-me e o aperto no peito se intensificasse mil, milhões, trilhões...?, de vezes.

Ao fundo escutei gritos e virei-me, parando no ar. Uriel vinha em minha direção, mas as suas asas estavam brancas e ele ainda não tinha nem chegado perto de mim quando comecei a brincar de pega-pega, sorrindo perversamente.

Ou eu estaria fugindo?

Não, eu não era covarde, somente não queria explicar meu comportamento, como sempre fiz desde criança a Analu. Pedindo até para poder tomar banho.

Não queria mais isso.

Queria ser livre.

E se fosse para começar fugindo do pai, no Céu, eu estaria mais que disposto. Por mais que fosse bem louca. Embora minha ideia genial não tenha surtido muito efeito quando fui jogado das nuvens para a terra, como um saco de areia.

Mãos bateram em meu corpo.

E não consegui me concentrar o suficiente para parar. Até por que eu não tinha nenhuma ideia de como lutar contra minhas asas rebeldes.

Bati com tudo na água, meu fogo virando fumaça e meus órgãos praticamente sendo jogados um contra o outro. Não sou tolo o suficiente para acreditar que um humano normal sobreviveria de uma queda de mais de mil metros.

Então aí estava a prova concreta e irrefutável de que eu era uma verdadeira aberração.

Me arrastei gemendo de dor, com os dedos esfolando-se e sangrando, até ficar de costas para a areia e intocável pelo mar. Minhas asas desapareceram atrás de mim.

Duas cabeças apareceram em meu campo de visão e arrisquei um sorriso.

— Então esse é o tal Amitiel?

E desmaiei.

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COITADO HAUSHUAHUAHUASHAU

COITADO HAUSHUAHUAHUASHAU

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