10: OS TIROS E FACAS RASGAREM SEU CORPO

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URIEL


Pela primeira vez em vinte e cinco anos, eu tinha tocado em meu filho. Ou melhor, ganhado um soco dele, mas teve contato, pele contra ele.

Mesmo que a do meu receptáculo tivesse sido danificada por segundos.

Você está sendo duro com ele, Uriel. — Gabriel falou em minha cabeça enquanto Ren estava parado em minha frente.

Não me dignei a olhá-lo.

Até você? Acha que está sendo fácil voltar depois de vinte e cinco anos? — Respondi.

Gabriel bufou ao meu lado, recebendo toda a atenção do meu filho em chamas.

Não, mas sei qual é o seu real problema. Você não sabe lidar com Ren, pois ele lembra Analu em todos os detalhes. Você está com medo de amar seu filho.

Não aguentei e gemi inconformado, erguendo os braços para cima e atraindo os olhares deles, virando-me para o mar e lembrando de quando caí ali. Salvei Analu e aquela foi minha ruína. Aquela linda humana que estava morta.

Mas no Céu. Onde era o seu lugar por ter tentado cuidar de um Arcanjo.

Mesmo que exilado.

Ela foi ao Inferno por mim. Cuidou de nosso filho com o máximo de amor que sua alma e mente quebrada poderia dar.

Doeu, claro que doeu.

Eu tive que ver Analu dando a luz ao meu filho, e só pude visitá-la uma vez. Por estar lutando para conseguir o apoio dos anjos para voltar aos domínios de Lúcifer e tirar Miguel de lá. Meu irmão mais velho.

Mas eu precisava dele. O Anticristo mais poderoso. O que tinha meu sangue, o de Abaddon e Dhália. A única anjo fêmea. Por ela ter ficado com seu corpo no Inferno ao enfrentar Lúcifer e sua horda.

O vi crescer, mesmo com todos os esforços de Analu, ele era impertinente e marrento, parecido comigo quando era apenas um bebê-Arcanjo. Na adolescência, bem... as mulheres se jogavam aos seus pés.

Não tive coragem de descer a Terra e ajudá-la.

Eu era um covarde. Porque sabia que de descesse, ficaria.

Mas eu tinha presenciando a cena de Analu sendo morta, sem fazer nada. Sentia-me sujo e nojento.

Das nuvens vi Analu ser morta.

Vi os tiros e facas rasgarem seu corpo outrora belo, mas que naquele momento não passou de pele cortada e sangrenta.

Fechei os olhos, procurando esquecer. Mas não dava.

— Uriel? — Ren me chamou confuso, chegando perto de mim.

Notei que Gabriel e Dhália estavam se afastando sorrateiramente. Talvez Gabriel estivesse certo. O medo de ser rejeitado por meu próprio filho fazia-me tratá-lo como lixo.

Resolvi tentar ser mais condescendente.

Deixei que uma lágrima escorresse por meus olhos e apontei com o queixo para o mar.

— Foi aqui. — Minha voz estava fraca. — Foi aqui que tudo começou.

Ren assentiu.

— Ela contava as histórias.

— E você nunca acreditou. — Sabia que ele começaria a se fechar, mas neguei com a cabeça, sorrindo. Era nossa primeira conversa civilizada e isso era melhor do que eu imaginava. — Você não tem culpa. — Continuei. — Quem em sã consciência acreditaria nessa história?

Ren baixou a cabeça, envergonhado.

Ele tinha acabado de descobrir muitas coisas. Tinha o gene da mãe, só podia. O fogo de seu corpo acabou repentinamente, junto com suas lindas asas.

Somente depois de voltar ao Céu foi que lembrei que tínhamos o poder desses elementos. Recuperei todas as minhas lembranças, as que ainda estavam bloqueadas por nosso Pai.

— Não entendo uma coisa. — Ren lambeu os lábios. — Ela me dizia que seus olhos eram negros. Minha mãe gostava disso em você.

Sorri com tristeza.

— O receptáculo que Deus me colocou quando caí foi de um homem morto. Ele desapareceu assim que voltei ao Céu, filho. — Somente depois que vi o que tinha falado.

Desviei os olhos, com receio.

— Eu... — Hesitou, claramente duvidoso. — Não tenho nada aqui e estou jurado de morte. Aceito. Aceito a sua proposta de ir ao Inferno, Uriel. 

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Espero que tenham gostado :3

Bjocas da Gótica Suave :)

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