23: FUGINDO DE LÚCIFER

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AMITIEL

Moleque insuportável.

Eu não tinha livre-arbítrio para contestar as ordens de meu senhor, mas isso não proibia-me de sentir coisas. Por exemplo, antipatia pelo filho de Uriel.

Só por que ele tinha o dom do fogo e era poderoso, se achava a última bolacha do pacote.

Anjos normais foram criados desde sempre para obedecer os Arcanjos.

Mas comandantes, como eu, tinham algumas leves regalias. Do tipo de poder ir em missões para resgatar o Arcanjo Miguel do Inferno ou somente visitar os Ceifadores — filhos de Arcanjos com humanas que levavam as almas para o Inferno ou Céu.

Bem, comandantes também poderiam ter filhos com humanas.

Todos os três comandantes, de Rafael, Miguel e Gabriel, tinham mais de duzentos filhos espalhados por aí, mas eu nunca vi a necessidade de ter tantos.

Por isso, somente tinha uma filha. Bony.

— Amitiel? — Uriel chamou-me.

Só depois de parar de divagar, foi que notei que todos estavam em pé, e somente eu sentado. Grunhi, arrumando o arco e flecha em minhas costas e levantei-me rapidamente, estralando os ossos da coluna.

— Senhor?

— Dá próxima vez que resolver passear por sua mente, tente manter o mínimo de foco aqui. Entendeu?

Apenas assenti, vendo Ren dar um sorriso.

Idiota.

Eu quebraria a sua cara em dois milésimos de segundo se pudesse. E transmiti esse olhar para ele, que imediatamente aprumou os ombros como um galo de briga — que mais parecia um marreco — e ficou sério.

Coitado se achasse que com aquela postura poderia me intimidar.

Eu fazia meu trabalho, servindo a Uriel, desde os primórdios de nossa criação.

Já tinha visto coisas realmente assustadoras e não seria, de maneira nenhuma, um jovenzinho pirralho que me atemorizaria.

— Agora conte-me por que diabos você se atrasou tanto. — Uriel cruzou os braços e penetrou seus olhos azuis nos meus.

Sabia que ele estava extremamente emburrado por eu ter machucado seu precioso filho indolente, mas também tinha conhecimento que daqui a pouco Uriel esqueceria do assusto e voltaria a me tratar como amigo.

Era só questão de tempo.

— Sinto muito, senhor. Estava muito ocupado fugindo de Lúcifer para notar o atraso.

Aquele deveria ser um comentário sarcástico e indulgente, que não envolvesse meu temor em quase o Arcanjo Sombrio ter me pegado. Mas minha voz oscilou um pouco quando falei o nome do irmão de Uriel.

Seria pesado se Uriel tivesse que ir resgatar o irmão e o comandante do Inferno.

Os olhos de todos se arregalaram e me senti o centro das atenções.

Até os dois cachorros que estavam brincando aos meus pés, notaram a tensão no ar e ficaram em silêncio. Observei-os enquanto arrumava segundos preciosos para minha voz não tremer mais um pouco.

Lembro de quando Miguel desceu a Terra. Antes de ir para o Inferno ele mandou uma mensagem para mim. Se eu não voltar, pegue esse cachorro quando morrer e o transforme em nosso mascote, lembro de suas palavras em minha cabeça até hoje.

Quando ele morreu, deixando essas duas ferinhas em seu lugar, dei-me ao trabalho de acatar o pedido de Miguel. Agora Bob estava lá no Céu, servindo-nos nas lutas como Cérbero deveria servir a Hades.

Se ele existisse.

— Sim — comecei, concentrado nos pelos dos cachorros — quando peguei meu receptáculo, em um cemitério, vi Belial e Lúcifer. O maldito saiu do Inferno somente para me pegar. Eu voei, mas sabia que não tinha chance. Contra um demônio tudo bem, mas contra o próprio Diabo? — Balancei a cabeça e fiquei em silêncio.

— E então? Continue, homem. — Dhália mordeu os lábios, curiosa.

Dei de ombros.

— Como disse, eu não resistiria e sabia de meu destino. Então comecei a voar para cá, onde nós nos encontraríamos. Sabia que tínhamos a chance de destruí-lo aqui. Somos poderosos. Foi então que eu vi uma bola de fogo vindo em minha direção.

Ren.

Respirei fundo e continuei, incapaz de olhar para cada rosto.

— Pensei que fosse uma ilusão de Lúcifer, ele é bom nisso, como vocês sabem. Então fui para cima da bola de fogo voadora e o atingi com meu arco. Ainda bem que não usei as flechas. E somente aí eu vi você, senhor — me referi a Uriel, levantando a cabeça pela primeira vez — e soube que era real. E Lúcifer tinha sumido.

Ainda bem que não usei as flechas... que virariam cinzas ao tocar o corpo de Ren.

Ninguém esboçou reação, até Gabriel passar os dedos longos pelo queixo.

— Agora entendi tudo.

— O que quê você entendeu? — Dhália coçou a cabeça. — Me explique, porque eu ainda estou no escuro.

Para minha surpresa, foi Ren — o nojento e Anticristo Ren — quem tomou a liberdade de interromper um Arcanjo.

O Arcanjo do Ar.

— Simples, Dhália. Lúcifer está nos temendo. Ele sabe que podemos dar uma bela dor de cabeça a ele e tentou contra a vida do comandante, o que seria uma falta significativa para Uriel.

Uriel não pai.

Não consegui deixar de notar o corpo retesado de meu senhor. E eu o conhecia o suficiente para saber que não era somente pela ideia de Lúcifer, o grande Arcanjo das Trevas, nos querer mortos.

— É verdade. — Concordei, para a nossa surpresa. Mas ele estava certo e eu não podia colocar meus sentimentos na frente da missão. Não agora. — E estamos perdendo tempo aqui. Miguel nos esperava a vinte cinco anos. Temos que trazê-lo de volta. Precisamos da ajuda dos Ceifadores.

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