24: PESSOAS COM ASAS NEGRAS

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REN

Lambi os lábios secos e fechei os olhos, tentando entender toda aquela situação.

Era a segunda vez que me despedia da mansão, mas desta, era definitivo. Eu não voltaria mais, tinha certeza. Deixaria para trás o último vínculo com o mundo real e minha mãe.

A casa em que tudo aconteceu.

Onde ela se apaixonou por meu p... Uriel. Onde fizeram sexo e me tiveram — embora essa parte fosse estranha de se pensar. Onde nasci. E onde ela me contou todas as histórias de como Uriel era um Arcanjo perfeito.

Então .

Como se realmente ele fosse isso tudo.

— Como nós vamos? — Indaguei a Gabriel.

Era incrível como eu sempre gostava de sua presença tranquilizadora.

Para mim, agora, ele se tornara um dos melhores Arcanjos, por mais que tudo isso fosse muito louco de se pensar. Era legal, inteligente, não invadia meu espaço, sabia ouvir e sempre estava disposto a conversar.

E não, eu não estava apaixonado por ele.

Lá nos confins de minha parte pervertida, imaginei se não teria uma bela Ceifadora para dividir a cama enquanto estivéssemos lá.

Gabriel tirou-me de minhas cenas eróticas quando respondeu, sorrindo.

— Não é por um portal, como você deve imaginar. Nós somente pensamos e pah — imitou com as mãos, o gesto de algo explodindo —, estamos no mundo dos Ceifadores. Fácil.

Hm. Sei.

— Mundo dos Ceifadores? — Perguntei, estreitando os olhos.

— Sim, Ren. — Gabriel passou a mão pelos cabelos brancos, parecendo cansado. — O serviço deles é levar almas para o Inferno ou para o Céu. Eles simplesmente não podem viver com os humanos e precisam de um Mundo somente para si. Pense como se fosse algo paralelo a nossa dimensão.

— Tipo o seriado The Flash. Onde existe várias Terras. — Dhália ajudou.

— Você assiste séries? — Gabriel perguntou, espantado.

Nem escutei a resposta de Dhália.

Engoli em seco e desviei os olhos.

E era isso. Me dei conta de que aceitando o trato com Uriel, não poderia mais ser alguém normal de novo. Conviver com humanos, porque eu não era humano.

Nunca fui, lembrei.

Meu serviço teria que ser levar almas para o Inferno e para o Céu, dependendo do que merecessem.

Refleti em como minha vida seria dali para frente.

E não gostei nenhum pouco.

— Eu sei o que está pensando. — Gabriel apertou meu ombro, fazendo-me relaxar instantaneamente. — Você poderá ser um Ceifador, se conseguir libertar Miguel do Inferno, é a sua prova para que seja aceito lá. Mas se você não quiser, ninguém vai te obrigar. É que...

— Você não tem mais para onde ir. — Uriel se aproximou e foi sincero. — É o seu destino, Ren. Cabe a você aceitar ou não.

Fechei bem os olhos e evitei colocar as mãos ao redor da cabeça protetoramente.

Deixaria isso para depois.

Eu não sabia nem se sairia do Inferno vivo, quem dirá me tornar um Ceifador e colher almas. Credo. Isso já enjoava meu estômago e deixava-me levemente aéreo.

— Vamos? — Amitiel chamou.

— Certo. — Uriel tomou o lugar de Gabriel e apertou meus braços, forçando-me a olhá-lo. — Imagine pessoas com asas negras...

— Sério, Uriel? — Dhália revirou os olhos e Uriel o mesmo.

Quase sorri de sua cara irônica.

— Cale a boca, Dhália, ninguém pediu sua opinião. — Uriel rosnou, depois olhou para mim. — Agora somente imagine e me abrace. Você pode se perder no tempo e não teria como ir buscá-lo. Melhor não arriscar.

Minha nossa.

Eu poderia claramente negar. Pedir para ir com qualquer um, até com o inútil do Amitiel. Mas não o fiz. Abracei-o. Meu pai.

O contato com seu corpo arrepiou meus pelos e fingi não ver quando Dhália enxugou uma lágrima solitária.

Não sei por que o fiz.

Talvez por mamãe.

— Imagine, Ren. — Sussurrou. — Somente imagine.

Tentei visualizar asas negras em minha mente enquanto fechava os olhos. E apertava meu corpo ainda mais no seu. O ar ficou mais quente, enquanto a gravidade parecia querer colocar meus intestinos dentro do cérebro.

A sensação era horrível e deixava um gosto ruim na boca.

***

— Chegamos. — Mal Uriel falou essas palavras, eu já tinha me separado de seu abraço e estava vomitando... em folhas secas.

Bom, pelo canto dos pássaros adivinhei ser uma floresta. Fazia sentido. Vomitei tudo o que até nem tinha comido, nunca vi tanta náusea em uma pessoa só.

Continuei ajoelhado enquanto a bile saía de dentro de mim, quase rasgando minha garganta.

Foi só um instante daquele tipo de viagem. O bastante para nunca mais querer fazê-lo. Eca.

Respirei fundo, sentindo o gosto horrível na boca, assim que uma mão apareceu em meu campo de visão. Aceitei-a por reflexo e quando levantei, todo o sangue de meu rosto desapareceu.

O espanto era visível em todos os meus poros.

Os olhos negros familiares perfuraram minha armadura, aquela que impedia das cicatrizes do passado virem à tona. Seu corpo magro mas musculoso ficou a centímetros de mim enquanto sua fachada bonita me fazia lembrar dos velhos tempos.

— James?

O cara da minha idade, que dividiu o quarto comigo, um ano, junto com Jeff, no exército, estava ali. Na minha frente. E ele também era a merda de um Ceifador?

Senti o mundo girar ao meu redor enquanto dava passos cambaleantes e tocava a face de meu amigo.

Amigo esse que deixei para trás.

Vi uma garota atrás dele, confusa. Ela era bonitinha, mas parecia deslocada ali. No meio de anjos e Arcanjos. Pequena, de cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Um pouco acima do peso mas com curvas desejáveis.

Tudo bem, até que os Ceifadores estavam com modestas filhas de Arcanjos.

Olhei ao redor, mas não tinha mais ninguém ali. Ninguém vendo meu espetáculo ridículo de maricas. Somente nós sete e um ginásio largo e grudado ao chão atrás de nós.

James seguiu meu olhar e sorriu para ela.

— Eu tenho que explicar muitas coisas, Ren. Essa é Lídia, minha namorada, uma Ceifadora como eu. E... primo, não me chamo James, e sim Anthony. — Ele fez uma pausa, depois suspirou. — E sou o primogênito de Miguel.

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