Mudanças de planos

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Uma voz baixa me despertou. Não era Aué, era desconhecida. Eu abri meus olhos sob o sol da tarde e me estirei na pedra plana, larga e alta em que estava. Toquei em algo pequeno e despertei de vez.

— Dorme profundamente, irmã da água.

Eu sorri para o pequeno calango que me encarava curioso.

Aué tinha sumido e eu me encontrava com ele na pedra diante de um lago profundo. Sabia que estava há umas duas horas da cabana e que depois do sono longo minha mente estava mais tranquila e calma. Dormir na floresta, durante o dia, sempre me recarregava.

— Nem sempre, amiguinho.

Ele esticou a língua e depois balançou a cabeça risonho.

— Sua irmã me enviou, ela está preocupada e meus primos não podem se afastar do poço por muito tempo.

— Seus primos?

Imediatamente fiquei em alerta e me levantei, estava em um lugar bem alto, me voltei para a direção da cabana preocupada. Só um nome me veio na mente até um segundo atrás relaxada, Mônica.

— Minha irmã queimou a Laine não foi?

— A filha do fogo ainda está longe, evitando queimar.

— Droga!

Agradeci e me despedi do calango antes de descer da pedra e correr.

Correr muito. Minha irmã do meio era sempre emocional, e se ela se descontrolava o fogo que habitava nela se descontrolava também. Seu dom era volátil e perigoso e ela ainda não tinha desenvolvido pleno controle dele. Ela era perigosa nesses momentos.

Minha mente, enquanto meus pés me levavam de volta velozes deixando minha capa vermelha como um rastro por onde passava, estava voltada para os meninos também. A Mônica deve ter feito alguma besteira e a Laine entrou no meio, caramba, eu já tinha visto várias vezes o embate entre as duas, nunca era legal. Elas eram poderosas, de formas diferentes, mas minha irmã mais velha, era quem mais relutava em deixar seu poder fluir, ela sempre usava de paliativos. Segundo toda a família nós três éramos as detentoras dos dons mais voláteis e pesados dessa geração e para a Laine aquilo era questão de responsabilidade e comprometimento, nunca para ser usado sem extrema necessidade. Ela poderia, naquelas circunstâncias, tomar uma medida drástica, o fogo na Mônica, não ia apagar de um dia para o outro. O que deveria realmente temer, ontem à noite, tinha esquecido completamente, o ciúme da Mônica comigo.

Quando finalmente cheguei na cabana, vi minha irmã mais velha vestida para viagem e carregando o jipe de mantimentos e mochilas. Ela usava jeans, botas de cano longo, cabelo em rabo de cavalo e camisa de tecido grosso. Eu cruzei o limite da floresta e fui até ela com remorso, eu deveria ter ficado...

— Desculpa Laine, eu causei essa confusão.

Ela se voltou para mim e sorriu suave, eu me senti ainda mais culpada.

— Não foi sua culpa, meu amor, a Mônica ainda precisa ficar e treinar seu controle emocional, nós todas esquecemos disso, foi apenas uma sucessão de equívocos que reconsideraremos agora. É melhor que comecemos nossa viagem hoje, será mais seguro para eles também, o dia foi quente, o chão já está transitável, nós conseguiremos chegar, pelo menos em Manaus. E faremos a viagem dessa forma. Titia acentuou os remédios do seu noivo, e vamos levar compotas extras também, ele vai suportar a viagem. Nós daremos conta.

— Mas sem a Mô, quem vai dirigir a caminhonete?

— Parabéns, hora de treinar seu volante, pequena lua.

3º FilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora